domingo, 10 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4306: Blogpoesia (46): O sexo em tempo de guerra (Luís Graça)

via Luís Graça & Camaradas da Guiné de Luís Graça em 09/05/09
Bajuda no Cais de Bambadinca. Quadro a óleo pintado, em 2007, por Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70, e membro da nossa Tabanca Grande (*). Edição e reprodução, com a devida vénia.

Foto: © Jaime Machado (2008). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Bafatá > "O Bataclã, um dos pontos de lazer e divertimento da rapaziada" (Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47, Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640, Bafatá e Piche, 1969/71)...

"Quando se chegava a Bafatá, para retemperar forças lá vinha um fim-de-semana, uma folga, que era reconfortante, com uma ida ao cinema, ao café da D. Rosa, do Teófilo, da Transmontana, ao Bataclã, à piscina da nossa bela Bafatá que, em 12 e 13 de Março de 1970, teve as cerimónias de elevação a cidade, onde esteve presente o Ministro do Ultramar" (**)...

Foto: © Manuel Mata (2006). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (1973/74) > Canjadude, a Ilha dos Amores. Ou: os tugas e a psico... E no meio, uma bajuda fula, linda de morrer, objecto de desejo... Sob o olhar vigilante da mamã, e rodeada dos manos mais pequenos... Repare-se como os tugas, passada a primeira surpresa da exposição ao nu étnico, se apoderaram rapidamente do termo psico e deram-lhe uma outra conotação... mais épica, mais erótica, mais camoniana... (Espero que o nosso Big Brother não caia na tentação de considerar este material como pornográfico e pedófilo...). (***)
Foto: © João Carvalho (2006). Direitos reservados






















Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (Junho 69 / Mar 71) > O Fur Mil At Armas Pesadas Henriques, com o Sold Apont Mort 60 Umaru Baldé, o puto (já falecido), e o 1º Cabo José Carlos Suleimane (que hoije vive em Amedalai), do 4º Gr Comb, em Finete, no Cuor (à esquerda); e no cais de Bambadinca (à direita), com os seus papéis debaixo do braço, e a pulseira de missangas vermelhas no pulso esquerdo...

Não tendo a especialidade de atirador de infantaria, o Henriques era o pião de Nicas do Capitão Inf QP Carlos Brito (hoje Cor Ref), tendo com isso percorrido todos os 4 Gr Comb da CCAÇ 12, e apanhado, no mato, a porrada suficiente para um dia poder contar aos netos, se os tiver, que a morte é certa mas que a vida é bela e vale a pena ser vivida...

Fotos: © Luís Graça (2005). Direitos reservados


Deixa soltar as tuas gargalhadas (****)...
Amorosa Helena,
pequena fula dengosa,
salva das garras do Islão
por zelosos missionários,
católicos,
apostólicos,
romanos,
mas não da faca da
fanateca,
que te extirpou,
na festa do
fanado,
o teu belo clitóris,
para te tornares o colchão de todas as camas,
a Vénus negra de batalhões inteiros,
a iniciadora sexual de
tugas,
mancebos
que as sortes vieram arrancar às saias das mamãs,
a alegre,
a divertida,
a traquinas companheira de muitas farras de caserna,
correndo, nua e lasciva,
do regaço de tropas bêbedos que nem cachos,
para o abrigo mais próximo
quando às tantas da madrugada
soava o canhão sem recuo,
estoirava o morteiro 82,
disparavam os RPG
e silvavam as balas das Kalash!...

Bela Helena de Bafatá,
que sabias pôr na ordem
os arruaceiros pára-quedistas de Galomaro
que te batiam à porta a pontapé,
quando eu estava contigo,
deitado na tua liteira,
e me dispensavas pequenas gentilezas
- um ronco de missangas, vermelhas,
uma noz de cola,
uma cantilena da tua infância,
um punhado de mancarra seca ao sol,
uma talhada de papaia que trazias do mercado -,
sempre que eu ia a Bafatá
e procurava a tua companhia,
na melhor das hipóteses,
uma vez por mês,
no dia de folga dos guerreiros de Bambadinca…
Tu e as tuas amigas de Bafatá,
do
Bataclã,
que tanto trabalho deram
ao competentíssimo furriel enfermeiro Martins,
que nunca punha os pés fora da sua morança,
e que eu duvido que alguma vez tenha ido a Bafatá,
o nosso querido
Pastilhas (*****),
que vivia 24 horas dentro do arame farpado,
no perímetro militar de Bambadinca,
trabalhando incansavelmente,
de bata branca,
em prol de uma
Guiné Melhor,
que nos aturou mil e um travessuras,
bravatas,
praxes,
esperas,
serenatas,
tainadas,
emboscadas,
partidas de mau gosto,
brincadeiras estúpidas e perigosas,
bebedeiras de caixão à cova
e que sobretudo nos curou
de alguns valentes
esquentamentos

Destes e doutros males de amores,
dos milhões de unidades de penicilina
com que tu subtilmente te vingaste dos machos,
estás perdoada, Helena,
abelha do mel e do ferrão.
Afinal, quem vai à guerra,
dá e leva…
Tu curavas-nos dos males da alma,
o
Pastilhas das mazelas do corpo…
Entretanto, quando a guerra acabou,
para mim
e para os demais
tugas da CCAÇ 12,
por volta do mês de Março de 1971,
não tive tempo de te devolver
a pulseira de missangas vermelhas,
nem sequer de te dizer uma palavra,
um
Adeus, até sempre,
um adeus, triste,
com saudade, morabeza,
essa coisa que os tugas nunca te souberam explicar,
mas sem regresso,
e sem lágrimas,
que Lisboa estava ali,
tão longe e tão perto...
Prometi guardar de ti
a doce lembrança,
das tuas estridentes e saudáveis gargalhadas,
da tua voz rouca e sensual,
da tua fala encantatória,
do cheiro exótico do teu corpo,
das tuas sagradas funções de sacerdotiza
do amor em tempo de guerra…

Imagino que a tua vida não tenha sido fácil
depois da independência,
se é que lá chegaste,
com vida e saúde…
Se sim, não sei como viveste esse dia,
24 de Setembro de 1974,
não sei te raparam o cabelo,
ou se te apedrejaram, amarrada a um poilão,
ou se te violaram
ou se te renegaram para sempre,
que a pior das mortes
é a morte social.
Nunca mais tive notícias tuas,
mas, dez anos,
revendo mentalmente
a minha primeira viagem,
por terra,
em pleno
chão fula,
do Xime até Contuboel,
onde os esperavam os nossos queridos
nharros,
ao longo do interminável dia 2 de Junho de 1969,
o teu nome,
o teu rosto,
a tua voz,
o teu odor,
o teu corpo,
a tua púbis,
e as tuas gargalhadas, quiçá magoadas,
vieram-me à lembrança…
E essa lembrança tocou-me.

Lembrei-te de ti,
da história que se contava sobre ti,
passada em
Ponta Coli,
entre o Geba e o Udunduma,
frente à vasta bolanha de Samba Silate,
agora seara inútil de capim alto,
com o cadáver do furriel vagomestre do Xime nos braços.
Lembrei-te de ti
e das minhas escapadelas a Bafatá…
Ia-se a Bafatá,
a bonita e alegre Bafatá colonial,
para
limpar a vista,
entrar no café da Dona Rosa,
ver as
manas libanesas,
comprar umas bugigangas da civilização,
comer o bife com ovo a cavalo na
Transmontana,
dar um salto ao
Bataclã
e passar pelo
Teófilo,
para o copo de despedida,
antes de apanhar o último Unimog,
de regresso a Bambadinca...

Eram os únicos momentos do mês
em que eramos donos do nosso tempo,
em que a nossa liberdade não estava cercada
de arame farpado e minas,
nem pensávamos na emboscada de ontem
nem na operação de amanhã.
Também foste, à tua maneira,
uma heroína daquela guerra,
minha impossível amiga colorida,
separada pelos papéis
que nos obrigaram a representar
no teatro da tragicomédia daquela guerra…
Daí figurares,
contra toda a ortodoxia
(do teu povo, fula,
dos teus missionários, cristãos, que te queriam a alma,
dos tugas, putos de vinte anos,
que apenas te queriam o corpo,
dos revolucionários do PAIGC
que não te terão perdoado
o teu
colaboracionismo com os tugas,
para mais sendo tu conterrânea do pai da Pátria,
o pobre do Amílcar Cabral
tantas vezes morto e remorto
ao longo destes anos todos),
daí figurares, dizia eu,
na minha galeria de heróis
e de heroínas…
Por direito próprio,
com todo o direito,
com o direito que ganharam as mulheres do teu país,
pobres,
as mais pobres dos mais pobres,
mas sempre dignas e corajosas,
apesar de ofendidas e humilhadas,
exploradas,
violentadas pelo sistema,
pela guerra,
pela dominância dos machos,
pelo imperativo da sobrevivência,
pela lotaria da geografia e da história…
Aceita esta pequena homenagem da minha parte.
Em contraparida,
dá-me o derradeiro prazer,
esse prazer tão terno,
de te ouvir soltar as tuas gargalhadas,
minha safada Helena de Bafatá,
onde quer que estejas,
...na terra,
no céu
ou no inferno!

Luís Graça (*******)

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3092: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (1): Pinturas, de Jaime Machado; As Capelas de Leça, de José Oliveira

(**) Vd. poste da I Série > 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)

(...) Café do Teófilo: À saída de Bafatá, na estrada para Bambadinca. Este homem era sobrevivente de um grupo desterrado para a Guiné nos anos 30. No período da guerra era apontado como sendo informador do IN. Foi pessoa com quem me dei particularmente bem, pois tinha pelos alentejanos (em especial de Portalegre) um carinho especial. Era sítio que eu visitava com alguma regularidade, tomava-se uma cerveja gelada, com alguma descrição, acompanhada de uma breve conversa. Era uma pessoa de parcas palavras. (...)

(***) Vd. poste da I Série > 17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - DCXXXVII: Mais fotos de Canjadude (CCAÇ 5, 1973/74) (João Carvalho)

(****) Vd. poste de

12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá (Luís Graça)

(*****) Vd. postes de:

13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)

5 de Dezembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3567: Humor de caserna (7): O Pastilhas e a bajuda (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

(******) Vd. restantes postes da série A galeria dos meus heróis:

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1011: A galeria dos meus heróis (4): o infortunado 'turra' Malan Mané (Luís Graça)

14 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau (Luís Graça)

13 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXVIII: A galeria dos meus heróis (1): o Campanhã (Luís Graça)


(*******) Convenhamos que o tema (o sexo em tempo em tempo de guerra...), se não é tabu (porra, já somos crescidinhos!), também não se presta muito a inconfidências na praça pública (incluindo a blogosfera)... (Estou a repetir o que já disse, por outras palavras, noutra ocasião).

Por pudor (?), no bando dos machos que já foram dominantes, não se fala muito das velhas proezas amorosas ou simplesmente sexuais... Mesmo assim, o tema já inspirou alguns dos nossos melhores prosadores (e poetas)... E até temos um mão cheia de textos de antologia sobre as nossas bravatas sexuais e os nossos (des)amores. Não cito nomes, por que não quero correr o risco de ser injusto nem muito menos tirar o prazer da leitura e da descoberta, em primeira mão...

Falo aqui, não como editor, mas simples leitor do blogue (se me for permitido, de quando em quando, esse privilégio de poder mudar de papel como quem muda de camisa, violando a regra da isenção e da equidade)... Eis uma lista (incompleta, provisória, quiçá arbitrária) de postes sobre este tópico, que tem os seus defensores e os seus críticos:

21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4065: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (7): Os tomates do Capelão da BA 12, Bissalanca... e outras frutas (Miguel Pessoa)

5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)

19 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2556: Estórias de Bissau (16) : O Furriel Pechincha: apanhado ma non troppo (Hélder Sousa)

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2290: Estórias de Bissau (14) : O Pilão, a menina, o Jesus e os pesos que tinha esquecido (Virgínio Briote)

19 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

14 de Novembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

28 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1554: As mulheres que ficaram na rectaguarda (Luís Graça /Paulo Raposo / Paulo Salgado / Torcato Mendonça)

3 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1490: Favores sexuais furtivos em Mampatá (Paulo Santiago)

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

1 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1483: Blogoterapia (16): Males de amores ou... Tenho um lenço da minha lavadeira ali guardado na gaveta (David Guimarães et al)

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1476: Blogoterapia (15) : Mulher tua (Torcato Mendonça)

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLV: Teresa: amores e desamores (Virgínio Briote)

17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 -DXLVI: Estórias cabralianas (5): o Amoroso Bando das Quatro em Missirá

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