Inimputabilidade pelo perdão
via COMBUSTÕES de Combustões em 13/05/09
A extradição, julgamento e mais que certa condenação de Demjanjuk é daquelas coisas que diminuem a justiça, ofendem a memória das vítimas do extermínio, atiçam o ódio contra os judeus e só engrossam as fileiras dos negacionistas da Shoa. Não se extradita um ancião de noventa anos padecendo de doença terminal; não se rejubila com o confinamento de um homem quase centenário e entubado a uma cela de prisão; não se iliba em Israel um homem de crimes de sangue, esperando-se vinte e cinco anos para o condenar na Alemanha dias antes de morrer. Há que terminar de vez com o Holocausto-espectáculo, com as reparações monetárias e com a sede de vingança após quase setenta anos. Com o julgamento e morte em directo de Demjanjuk perde a Alemanha, perdem as comunidades judaicas não israelitas e estilhaça-se a respeitabilidade dos magistrados, das leis e príncipios que sustentam a justiça.
A criatura tinha vinte e cinco anos de idade quando terminou a pavorosa guerra que matou a Europa. Era mero criado de uma vasta maquinaria de extermínio, um auxiliar não-alemão obedecendo a ordens. Se não me parece plausível que tivesse assassinado uma trintena de milhar de desgraçados apanhados na teia mortal da loucura de Himmler - a estatística perde o sentido - era, para todos os efeitos, a mais desprezível das ferramentas humanas de que se serviu o Reich.
Os homens morrem e renascem inúmeras vezes ao longo da vida. Dizem os budistas que mudamos de doze em doze anos e aceito de mão dada que o Demjanjuk de vinte anos apanhado nos tentáculos de um regime criminoso há muito que morreu. É um trabalhador braçal de poucas letras, um idoso patético afirmando veementemente não ser aquele que julgam. Seja ou não o kapo que vestia o pijama dos campos, um prisioneiro que aprisionava, espancava e matava outros prisioneiros - também os houve judeus, e muitos, até polícias de estrela de David ao peito que roubavam, humilhavam, violavam e procediam à selecção daqueles que deviam morrer ou viver - não pode carregar a culpa de um tempo morto. Francamente, creio ser este julgamento uma forma airosa como vil da Alemanha lançar o ónus da barbaridade sobre outros. Demjanjuk é ucraniano e isto faz as delícias da moral lava-mãos e da desculpabilização.
A Alemanha demonstrou há muito que se arrependera colectivamente. A prová-lo, o quase nulo apoio que os nostálgicos do Reich dos Mil Anos gozam na sociedade alemã, a sempre generosa política de apoio vitalício que o país tem dado a sobreviventes daqueles locais imundos em que se matava em nome de um princípio quase zoológico de separação de pessoas, a atitude do Estado alemão reunificado em relação ao passado. Se a Alemanha soube perdoar aos verdugos [alemães] dos alemães apanhados no concentracionarismo comunista do protectorado soviético que deu pelo nome de RDA, parece não querer deixar perder a derradeira oportunidade de reabrir os ficheiros do hitlerismo e vazar a necessidade de exconjurar esse tempo na pessoa de um estrangeiro semi-analfabeto e pobre. Um amigo judeu disse-me há dias que os lóbis, as fundações milionárias especializadas em cobrar impostos aos Estados, bancos e grandes empresas implicados no genocídio vivem embrenhadas numa lógica quase insana. Prejudicam os judeus vivendo um pouco por toda a geografia do planeta, colam-lhes à força a imagem de vingadores implacáveis - as pessoas apreciam a força da justiça, mas recuam apavoradas perante o ódio - e impedem Israel de existir como um Estado normal. O julgamento de Demjanjuk só prejudica Israel e os judeus. É tempo dos judeus viverem o dia de hoje. Caso contrário, se os homens sensatos não prevalecerem, arrisca-se Israel a viver e reviver até ao fim dos tempos o pesadelo dos anos 40.
Outros povos há que sofreram tanto como os judeus, mas que não se especializaram na auto-vitimização e na condenação de se agrilhoarem à memória daqueles que nasceram há mais de um século. Os judeus livres - há-os muitos - têm de sair do muro que construiram à volta das suas vidas e libertarem-se dos seus mortos que pedem vingança eterna. A maior vitória dos judeus e daqueles que compreendem a sua dor seria o perdão, neste caso o perdão pela inimputabilidade daqueles pequenos e insignificantes instrumentos do crime organizado em Estado que foi a política racial do III Reich.
Hardwork and Horseplay
Sem comentários:
Enviar um comentário