sábado, 29 de janeiro de 2005

“É uma obrigação, não é um direito”

No hall, por detrás de um pilar, surgiu um homem baixote, mal-arranjado, de cabeleira branca e crescida, encaracolada e desgrenhada com uns papéis soltos entre as mãos. Anunciou - Rui Alexandre Moreira... Após o sinal de "presente" ele pediu para o seguirmos ao 2º. andar ao mesmo tempo que perguntava:

- trás advogado?
- não, porquê? vai haver julgamento, perguntei;
- sim, vai haver julgamento e terá de se arranjar um advogado ofcioso, disse.

Chegámos ao 2º. piso e encaminhámo-nos para uma sala de audiências que se encontrava vazia. Entrámos, e logo vimos o lugar que o coitado do jovem Alexandre irá ocupar - o do banco dos réus. O senhor de cabeleira branca e encaracolada entrou para outra dependência e pouco depois voltou acompanhado de uma jovem mal-vestida - era a advogada que calhou em sorte. Saí da sala e o Alexandre relatou-lhe o que se passara enquanto a jovem tomava apontamentos e pedia esclarecimentos sobre dúvidas que ia tendo. O Alexandre pediu-me para não assistir ao julgamento. Mantive-me fora da sala. Muito tempo depois, o senhor de cabelo encaracolado passou por mim a abotoar uma toga preta enquanto me dizia:

- não é testemunha. pode entrar.

Contudo, não o fiz, respeitei o pedido do Alexandre e de fora perguntei ao Alexandre se ele queria que eu descesse. Respondeu-me como um sinal afirmativo, desci a escadaria e esperei pelo final do julgamento no hall do rés-do-chão do efifício.
Muito tempo depois, desceram as escadas o Alexandre e a advogada. Conversavam, ela dava-lhe o número do telefone do seu patrono para o caso do Alexandre vir a precisar dela.
Depois, o Alexandre disse-me qual fora a punição: 60 dias de multa a 2 euros por dia e as custas que, segundo a advogada, rondariam os 200 euros.

Para sabermos o que fazer dirigimo-nos à secretaria do 2º. juízo criminal onde uma senhora simpática e elegante esclareceu as dúvidas que apresentámos. Ao dizer que nas custas se incluiam 125 ou 128 euros para o advogado oficioso, o Alexandre exclamou:

- Como, não é um direito!?
- É uma obrigação não é um direito, diz com ar sabichão e de gozo o escrivão, o tal da cabeleira grande, encaracolada e desgrenhada.

Isto despertou-me para a possível existência do termo "Obrigação" na terminologia jurídica a par dos termos já meus conhecidos de "direito e dever". Contudo, parece-me difícil identificar com rigor a fronteira entre “dever” e “obrigação” ou seja, parece que a um dever está associada uma abrigação e a esta uma coação: Apresento a seguir exemplos relativos a um “dever associado a obrigação” e a um “dever sem obrigação”:

- Temos o dever e a obrigação de pagar impostos – se não o fizermos, seremos punidos.
- Temos o dever de votar mas se não o fizermos não poderá ser aplicada nenhuma coação jurídica.
Rui Moio. Jornal Íntimo de 27Jan2005

sábado, 22 de janeiro de 2005

Deslocação a Berlim - 21 de Janeiro de 1996

Hoje é dia para comemorar. Faz 9 nove anos que fui a Berlim pela Universidade Aberta para proferir uma conferência internacinal. Como o tempo passa! Na altura, tinha a esperança de estar a viver uma viragem de 180 graus na minha vida. Finalmente, parecia chegado o momento de poder vir a trabalhar como professor e investigador nalguma universidade, a adquirir não só o grau de mestre mas também o de doutor a que se seguiriam cursos de pós-graduação e muitas e muitas viagens ao estrangeiro para conferências e debates com os meus pares - doutores e investigadores. Na altura, pensava que já estava alguns anos atrasado para conquistar o futuro que merecia e que tanto desejei e desejava. Assistia ao abrir de portas para o mundo. Estavam a entreabrir-se; era apenas necessário continuar com o que ia fazendo e determinado a continuar bater-me pelo meu futuro na conquista da viragem total. Estava com uma licença sem vencimento que era para duar alguns anos. Saíra há meses da vida estupidificada do Instituto Geográfico e Cadastral e dia a dia era confrontado com mimos e considerações por parte das professoras e professores do mestrado. Depois, fez-se o mestrado com alto brio e convite para fazer o doutoramento. Seguiu-se um ano de amarguras na busca de uma colocação que me tirasse definitivamnte do antro de desconsideração que era o inferno do Instituto a que pertencia. De novo, entreabriram-se portas, nomeadamente a hipótese de trabalhar como secretário de um curso de mestrado e como assistente para a Universidade Aberta enquanto faria o doutoramento em Ciências Sociais. E, ainda o de trabalhar como assistente no Instituto de Investigação Científica Tropical. Depois, tudo se gorou, e o que restou foi a sorte de ter ido parar a Biblitoeca Nacional onde se seguiram uns dois anos de concepção e monitorização de cursos de formação na área de Psicologia, a integração no quadro de pessoal da Biblioteca Nacional. Foi uma mudança radical mas o doutoramento ficou por se fazer. Uns anos depois, poderia enveredar pelo doutoramento na área da violência nas escolas na Faculdade de Ciências de Educação e Psicologia da Universidade de Lisboa mas não sentia interesse em encetar um caminho novo nessa área. E, agora, passaram-se já 9 anos sobre a deslocação a Berlim, o maior marco da minha vida à excepção da defesa da tese de mestrado e o o doutoramento está por se iniciar... Publicações também quase que não houve... Sinto-me fracassado, por não ter conseguido ultrapassar o desapoio e pesadissimo ambiente doméstico que era e é completamnte contrario aos meus interesses mais profundos de vida e de conquista da felcidade. É necessário voltar ao combate mas aogra a hipótese de ganhar uma bolsa está longe, muito longe, talvez reste ainda a possibilidade de poder vir a dar umas aulitas nalguma universidade...

Jornal Íntimo de 21Jan2005

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