quarta-feira, 4 de março de 2009

Medalha de Mérito Cultural para Couto Viana

via nonas de nonas em 02/03/09
O Município de Ponte de Lima decidiu atribuir a Medalha de Mérito Cultural ao escritor António Manuel Couto Viana, nome cimeiro da Literatura Portuguesa cujo mais recente título, "Os despautérios do Padre Libório e outros contos pícaros", é uma edição da Opera Omnia, edição comemorativa dos 60 Anos de Vida Literária do Autor. A cerimónia de entrega da Medalha está marcada para amanhã, dia 4 de Março – Dia de Ponte de Lima.


«Contos. Um cáustico e divertido conjunto de histórias em que não deixa de transparecer uma ferida nostalgia.
Felizmente ainda vai havendo casos em que as celebrações literárias dispensam mediatismos, discursos de encomenda ou booktrailers não poucas vezes ridículos. De facto, dificilmente poderia ser mais discreta a "edição comemorativa de 60 anos de vida literária" de António Manuel Couto Viana. Em formato de bolso e com um grafismo sóbrio, "Os Despautérios do Padre Libório e Outros Contos Pícaros" constitui a segunda incursão do autor, mais conhecido como poeta e memorialista, na arte do conto (a primeira intitulou-se "Meias de Seda Vermelha e Sapatos de Verniz com Fivela de Prata", Prefácio, 2004). E é, de novo, com enorme destreza que Couto Viana nos relata estes episódios pícaros, por vezes na fronteira com o escatológico. Veja-se a ironia de um título como 'Um Amor Húmido', que, defraudando banais expectativas, remete afinal para um acidente urinário que trocou as voltas a Eros. Há momentos que chegam a ser hilariantes, em particular o delicioso remate do último conto. Entre derrames amorosos e fezes clericais, a escrita vigorosa de Couto Viana observa sempre uma tensão, um rigor vocabular e um humor atento que a colocam muito acima da boçalidade em que incorrem tantos prosadores contemporâneos. Sirva de exemplo de estilo (creio que o autor não desdenharia o termo) o seguinte trecho: "Levava com ele, como impedido, o Ezequiel, um mancebo frágil, de carnação tenra, rostozinho de anjo barroco, um sorriso doce de virgem, cujas complacências enchiam de satisfação as camaratas e a gula erótica de alguns monhés sem fácil acesso às fêmeas da casta." Outro aspecto a destacar é o facto de estes contos nunca cederem à redundância do mero ornamento ou do pormenor inútil, demonstrando antes uma notável economia narrativa. Talvez haja locuções que soarão, a ouvidos mais castos, politicamente incorrectas, como a referência à "pretalhada rebelde, armada pela cobiça dos grandes impérios coloniais", ou a defesa de uma ditadura que fez dispersar "a chusma de varinas, operários, fadistas, marujos e magalas". Mas não confundamos essa voz com a do autor deste comovente livro de contos. Se afastarmos com cuidado a cortina do humor, talvez consigamos ver um palco de terna nostalgia, os restos desse "país perdido" que é a infância.
Manuel de Freitas»
Jornal Expresso – Revista Única – 17/1/2009

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