Para desacreditar de vez qualquer "gramática universal" e para demonstrar a ilusão da pseudomorfose civilizacional - uma civilização mundial única partilhando os mesmos símbolos - aqui deixo quatro saudáveis provocações aos meus leitores. Fui ontem à estreia do tão aguardado como
polémico filme de Tom Cruise sobre o atendado falhado contra Hitler em 20 de Julho de 1944, protagonizado pelo coronel conde Claus von Stauffenberg. À entrada do grande complexo de salas de cinema, um
hall que faria inveja ao estilo "Kolossal" de Speer, bandeiras nacional-socialistas emprestavam à atmosfera patética marca de anacronismo. Não era uma, nem duas, nem três, mas um mar de bandeiras, faixas e flâmulas que na Europa cairiam de imediato sob alçada das leis que impedem a divulgação e exposição pública de tal símbolo. Terminada a fita, que estimo regular e contrastante com o escândalo que acompanhou as filmagens, muitos assistentes, ao passarem pelas bandeiras faziam a vénia com que os tailandeses exibem respeito por pessoas ou símbolos estimados superiores, elevando as mãos juntas à testa.
Semanas antes, nos quiosques e livrarias de Banguecoque, uma revista tailandesa especializada em comunicação e publicidade exibia à largura da capa uma versão
pop da suástica e desenvolvia extenso historial de um símbolo muito próximo da religiosidade oriental, esclarecendo que a "cruz gamada" era património do budismo, que por sua vez o tinha recebido da Índia védica.
O amigo Nuno Caldeira, aqui residente, fez-me chegar a foto de um automóvel literalmente coberto de suásticas, afirmando com acerto que tal símbolo político diz muito pouco aos tailandeses. A suástica é aqui muito respeitada, encontrando-se por todo o lado em templos e mosteiros, pendendo à entrada das casas como talismã protector ou usada como amuleto que as pessoas levam ao peito. Encontro-a, também, em automóveis, motorizadas e, até, como elemento decorativo da louça servida em restaurantes. Quando vou à piscina, deparo amiúde com pessoas que se fizeram tatuar com suásticas no peito ou nas costas, pois persiste a crença que tal as protege de acidentes ou doenças. Hitler não inventou nada. No tempo em que a Europa se abria com curiosidade às chamadas filosofias orientais e numa Alemanha regorgitante de interesse pelas teosofias e ocultismos para todos os gostos, a suástica foi usada como misterioso elemento mágico de identificação para os anti-cristãos, décadas antes de se converter em bandeira de uma ideologia racista. Fez parte, durante dois milénios, do património do arco civilizacional indo-europeu e entranhou-se no budismo - nascido na Índia - chegando a converter-se em símbolo do imperador Assok, o maior dos soberanos da dinastia Maurya.
Lembro-me agora que na última vez que estive em Hong Kong deparei com uma manifestação da seita
Falun Gong, que protestava contra as perseguições de que tem sido alvo pelas autoridades de Pequim. Ora, a bandeira da organização é uma suástica cercada por quatro ying e yang (as polaridades do equilíbrio), inscritos sobre um círculo açafrão. O laranja, que entre nós só se vende com a Fanta ou com o PSD, é a cor da pureza monacal com que os religiosos se cobrem. Como são diferentes as culturas, como é rica a diversidade humana. Por favor, quando vierem à Tailândia, não façam qualquer reparo à suástica. Se o fizerem, terão uma multidão em fúria defendendo um dos seus mais estimados e reverenciados símbolos.
Walkürenritt (Wagner; grav. 1921)
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