Algumas notas sobre a relação de Portugal com a Europa
via Q u i n t u s de Clavis Prophetarum em 12/04/09
Aquilo a que chamamos hoje de "União Europeia" teve o seu nascimento no Tratado de Roma, em 1957 quando Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo acordaram em formar a "Comunidade Económica Europeia" (CEE) e a " Comunidade Europeia da Energia Atómica" (Euratom). A adesão portuguesa a estas organizações só data de 1986, momento a partir do qual se começou a verificar uma série de transformações na sociedade portuguesa, como a explosão da construção e da renovação de diversas infra-estruturas, especialmente aquelas ligadas às redes de transportes. O fluxo súbito de grandes fundos comunitários durante alguns anos foi mais significativo do que todos os fluxos jamais registados na nossa História, sendo mesmo maiores do que o auge do período da exploração diamantífera no Brasil, no século XVIII e no apogeu da chegada da Pimenta das Índias, entre 1500 e 1525. A adesão mudaria também o foco da política externa portuguesa de uma vertente essencialmente atlantista, privilegiando a relação com o Reino Unido - aliado histórico de Portugal - e com os Estados Unidos para algo que nunca sucedeu em Portugal: uma prioritização dada às relações com o centro da Europa, dominado pelo duo França-Alemanha e abrindo fronteiras físicas e mentais com a Espanha, com cuja contraposição se forjou tanto do espírito da nacionalidade…
Com a adesão à CEE não foram somente as prioridades diplomáticas e o investimento nas infra-estruturas que mudaram. Foi todo um quadro mental novo que penetrou de chofre e nem sempre da forma mais discreta ou moderada num espírito nacional que até 1974 se conformou a existir em movimentos centrípedos em torno do Império e neste, para África. O princípio do "orgulhosamente sós" de Oliveira Salazar, com o famoso mapa em que as colónias se comparavam ao mapa do continente europeu…
…era um dos pilares de sustentação do regime e uma justificação para a sua neutralidade durante o conflito, assim como para a exclusão de Portugal (deliberada e desejada por Salazar) do Plano Marshall. Paradoxalmente, seria a guerra anacrónica e baldada em esforço e sangues locais e metropolitanos que levaria ao colapso do regime em 1974…
A Europa de hoje é substancialmente diferente daquela da época da fundação do edifício europeu que haveria de formar mais tarde aquilo que hoje conhecemos como "União Europeia". A queda do Muro de Berlim tornou o modelo ocidental de desenvolvimento esmagadoramente atraente e todas as economias planificadas do Leste se convetem aos dogmas neoliberais - com maior ou menor grau de convicção - uns, tornaram-se oligarquias opacas, como a Rússia e a Bielorússia, outras tornaram-se réplicas de países ocidentais, como a Hungria ou a Polónia. Outros, ainda mantiveram partidos neocomunistas muito influentes até aos dias de hoje (como a Bulgária). Todos, tornaram-se pólos de fluxos migratórios que em vagas sucessivas haveriam de se derramar sobre a Europa, alcançando até os seus pontos mais periféricos, como Portugal e a Irlanda. De facto, a escala das migrações na Europa é hoje maior do que alguma vez foi no passado e esta escala está a criar sérios problemas de integração em muitos países europeus, especialmente agudos em época de recessão e de disputa por um número cada vez mais escasso de postos de trabalho… A sua admissão no espaço europeu permite renovar uma demografia decadente e introduzir algum dinamismo social em sociedades aniquilosadas e demasiado estabilizadas, como o são as sociedades dos países mais desenvolvidos da Europa Ocidental
Apesar de todos os seus problema: um individualismo galopante; uma convicção pseudo-religiosa nas virtudes da tecnocracia e de uma obsessão "normalizadora" que tudo devora, de grandes massas de migrantes mediocremente integrados e de sectores tecnológicos a agrícolas incrivelmente desadequados para as necessidades do mundo moderno, sob muitos aspectos a Europa continua a ser o melhor local do mundo para se viver. A Europa é um oásis de democracia parlamentar, de liberdades cívicas e laborais, de respeito pela ecologia e pelo ambiente, de solidariedade social. Nas últimas décadas, a pressão do neoliberalismo, da redução do papel do Estado e dos constrangimentos orçamentais impostos pela visão restrita do BCE e da UE, fizeram erodir algumas destas vantagens, mas no global, o continente europeu continua a ser um lugar invulgar provido de radicalismo islâmico, de regimes monárquicas, de democracias "musculadas" e de outras formas mais ou menos moderadas de tirania.
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