A miúda do telemóvel
De facto, de quem foi a falta mais grave? Da miúda ou do jovem que filmou e, sobretudo, colocou para o mundo as imagens captadas?
Moio
De repente, por causa de uns gritos e de uns puxões num braço, o País acordou para a violência contra os professores. De uma forma cruel, uma adolescente de 15 anos passou a ser uma espécie de inimigo público n.º 1 nacional, sem que ninguém tivesse parado um minuto para pensar em duas ou três coisas: o que está na origem desta indisciplina? Terá a aluna cometido um crime ou protagonizado uma criancice? Será ela o bode expiatório ideal, só porque teve o azar de ser filmada, ou haverá casos mais graves, escondidos e abafados pelas próprias escolas? Como podem as reacções da comunicação social (e o serviço público de televisão passou até à náusea as imagens do Youtube, com pouco ou nenhum respeito pela reserva de imagem dos envolvidos), o histerismo do público e a diligência do próprio procurador-geral da República marcar o futuro desta rapariga? Poderá uma birra aos 15 anos impedir que ela volte a levantar a cabeça, o resto da vida? Como será recebida na nova escola pelos professores, funcionários, colegas?
Razão tem o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, em denunciar a rebocagem da PGR pelos jornais, neste caso. Levanta-se um inquérito para se apurar se houve ilícito criminal, com base em imagens onde não há, analisando-as friamente, verdadeiras agressões. Onde estão os processos levantados contra alunos e, sobretudo, pais, que em todas as escolas do País se entretêm a coagir, ameaçar e agredir, esses sim, professoras e professores, enviando-os(as) para as enfermarias, para o hospital e para o psiquiatra? Porque há-de ser, agora, esta miúda, mais vítima do que algoz, o exemplo a imolar no pelourinho público, para gáudio da turba?
Mais: não será bastante mais ilícito, até do ponto de vista criminal, o acto do autor da filmagem que, sem respeito pelos direitos de imagem de ninguém, lança o vídeo para a web e para a mundo? Porque não conhecemos, também, a cara dele e apenas lhe ouvimos a voz alarve.
Noutros tempos, os professores tinham autoridade, porque podiam chumbar. E quando se chumbava, sofria-se uma consequência, geralmente familiar. O Presidente da República pode testemunhá-lo: quando reprovou um ano, passou as férias de verão a sachar o milheiral do seu pai e viu a bela praia algarvia da sua infância por um canudo. Aníbal Cavaco Silva costuma evocar esta história, para ilustrar o «clique» que o fez reconsiderar comportamentos e querer subir na vida. Hoje, porém, quase não se chumba. Porque o facilitismo entrou, definitivamente, nos programas escolares e nos objectivos políticos dos sucessivos ministérios. Interessa garantir estatísticas de crescente sucesso escolar, para que os políticos fiquem bem vistos. E isto tem tudo a ver com o alucinante novo estatuto do aluno e com a importância da taxa de reprovações, na própria avaliação dos professores, que agora é proposta. Isto tem tudo a ver, ainda, com a política da ministra que, embora autora de reformas corajosas, preferiu aliar-se aos pais – já agora aos alunos – contra os professores. Durante anos, semearam-se ventos que agora se transformam em tempestades.
Quando se chumba, ninguém vai trabalhar para as obras ou sachar os milheirais da família. Pelo contrário, os pais pedem explicações aos professores – e nunca aos filhos. Ameaçam-nos e espancam-nos, cobertos por um sistema que, já de si, dificulta ao máximo a possibilidade da reprovação pura e simples. E os meninos têm tudo, a começar pelo telemóvel. Chegam a adultos sem nunca terem ouvido um não. Ou seja, ficam sempre crianças e só podem vir a ser (ainda) piores pais.
A aluna da Carolina Micaelis não é uma perigosa heréctica, destinada a ser queimada na santa fogueira da nossa indignação. É só uma miúda de 15 anos, que recebeu uma mensagem de um namorado secreto, que não queria que ninguém visse. Por favor, dêem-lhe um telemóvel novo.
Fonte: Visaonline de 30Mar2008
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