O escritor cabo-verdiano Manuel Lopes e o Faial
Nota Pessoal
Tive o privilégio de conhecer pessoalmente Manuel Lopes há uns 11 ou 12 anos.
É um histórico, pois foi um dos fundadores da revista Claridade.
Rui Moio
O escritor cabo-verdiano Manuel Lopes e o Faial
Tive o privilégio de conhecer pessoalmente Manuel Lopes há uns 11 ou 12 anos.
É um histórico, pois foi um dos fundadores da revista Claridade.
Rui Moio
O escritor cabo-verdiano Manuel Lopes e o Faial
via NOVA ÁGUIA by Al-Zéi on 2/7/08
No dia 22 de Abril de 2005 esteve entre nós, a falar-nos da vida e obra de Manuel Lopes, o Professor Doutor António Cândido Franco, Professor de Literatura na Universidade de Évora, autor de uma tese de mestrado sobre aquele escritor cabo-verdiano.
Manuel Lopes viveu no Faial de 1944 a 1955 onde trabalhou no Cabo Submarino por conta de uma companhia inglesa.
Nascido em 1907 em Cabo Verde, aos 25 anos publicara Monografia Descritiva Regional e Paul e aos 27, Horas Vagas (poesia).
No Mindelo, em 1936, tinha sido, juntamente com Baltasar Lopes da Silva e Jorge Barbosa, fundador da revista “Claridade” que viu nove números publicados até 1960. Esta revista surgiu no meio de um movimento de emancipação cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana. “Claridade” afirmou-se como “sensível às realidades do quotidiano do povo (…) no sentido de uma cada vez maior abrangência e representatividade da consciência geral da nação” e foi um marco importante entre as ideias predominantes no século XIX (Classicismo/Romantismo) e o novo realismo. “Claridade” revelou a realidade do povo cabo-verdiano através da estética da palavra de modo a preparar o campo de consciência de Cabo Verde como nação independente. A revista começou por ter na capa do primeiro número, por exemplo, a representação de um batuque da ilha de Santiago, altamente reprimido pelos colonialistas por causa das influências africanas e que se chamava “preocupação”. Em 1986, já Cabo Verde independente, Manuel Lopes, no cinquentenário da revista “Claridade”, recebeu o Prémio Claridade, ex-aequo com Baltasar Lopes da Silva.
Durante a sua estada no Faial, começou a pintar, fez conferências e colaborou com vários jornais.
N’«O Telégrafo» de 9 de Janeiro de 1948 publica um ensaio sobre o romance Chiquinho de Baltasar Lopes: “não é dos tais romances que “acabam bem” ou “acabam mal” consoante o amor ou a morte é chamado a dar-lhes fim.” “Chiquinho, reconhecendo a insuficiência e recursos espirituais e materiais da sua ilha, emigra para a América, a enganadora “Terra de Promissão” de suas virtualidades. “Chiquinho” é uma resposta ao “por quê” da emigração crioula.”
A 17 do mesmo mês, publica n’«O Telégrafo» outro ensaio sobre a literatura Caboverdiana, intitulado: “Características da Moderna Literatura Caboverdiana”. Neste artigo, começa por referir o que escreveu sobre Chiquinho no dia 9 e explica aos interessados no “movimento cultural dentro e fora dos Açores” o que é o movimento moderno caboverdiano criado à volta da revista “Claridade”, deixando clara a ideia que tem de “literatura caboverdiana”: é a “que exprime a sensibilidade e a idiossincrasia do povo daquele arquipélago”. Neste ensaio, além de rejeitar a “estéril literatura de imitação”, explicita as raízes do movimento “claridoso”: a revista “Presença” de Coimbra e o neo-realismo brasileiro; a primeira, por ter cortado com um passado ultrapassado e ter dado um salto em frente a favor da liberdade de expressão, e o segundo, pelo seu conteúdo humano e social. Tanto a revista “Presença” como o movimento neo-realista brasileiro inovam a literatura, trabalhando novos temas. Em relação aos escritores caboverdianos, foi o contacto com o povo e os seus problemas que fez com que se deixassem contaminar, transformando a literatura “artigo de luxo” em “artigo de necessidade”. Necessidade, explica, “de integração humana”. Também alude ao movimento que bebe no da “Claridade”, o da revista “Certeza” (revista neo-realista saída em 1944), e aos sonetistas antiquados que fogem assustados por esta nova geração que traz à literatura uma nova consciência.
A 4 de Agosto de 1949, o livro de poemas de Manuel Lopes Poemas de quem ficou, é referido num artigo não assinado n’«O Telégrafo»: «Valores cabo-verdianos, “Poemas de quem ficou”». O livro iria ser posto à venda brevemente e constava de duas partes: “Momentos” 1935, colecção de poemas ocasionais, e “Partir” 1946, mais localista, girando à volta do tema “partir”. Diz o jornal que o primeiro conjunto de poemas são do período “pré-claridoso” e eram poemas já publicados em revistas e jornais, referindo-os todos, onde se encontram também incluídos os açorianos de Ponta Delgada «Ilha» e «Correio dos Açores». Poemas havia que tinham sido lidos na Sociedade de Geografia e no Teatro Trindade. Por estranho que pareça aos leitores da actualidade, no fim do artigo aparece o “Poema de quem partiu” em castelhano, tradução do cubano Raul Rey, e que fora publicado na revista “Marina Constitucional” de Habana, Cuba. A quem interessaria no Faial o poema traduzido naquela língua?!
A 13 e a 14 do mesmo mês, Manuel Lopes escreve n’«O Telégrafo» dois artigos sobre o Pico: “Os dois Picos”. O primeiro, tem como subtítulo “O Pico prático” e o segundo, “O Pico decorativo”. Lindo de se ler! O Pico prático , o que se pode «sentir com a epiderme e saborear com a boca- o Pico másculo do cotidiano useiro, das frutas, do vinho, da lenha, dos produtos agrícolas, das rochas queimadas, da “ascensão, do mato sombrio (“vert funèbre”, como diria Taine) dos “mistérios”, dos fins de semana, das férias reparadoras e saudáveis» e o Pico feminino, «o puro prazer de contemplação do seu imóvel contorno feminino, do espectáculo de renovado encantamento que, a toda a hora, ela exibe» (a vizinha ilha).
«O Telégrafo» de 30 de Março de 1950 refere uma conferência que fez no “Salão Sporting” com o título: «A cultura do Espírito nos chamados meios pequenos», trabalho dividido em quatro capítulos: “Meios pequenos, meios acanhados”; “A mocidade estudiosa e os meios pequenos”; “A libertação dos meios pequenos pela cultura”; e “Sugestões, não soluções”. Esta conferência tinha sido proferida no dia 28 do referido mês e tinha durado uma hora. A apresentação de Manuel Lopes fora feita pelo Dr. Silva Peixoto, colaborador do jornal e prestes a ir-se embora para S. Miguel.
Num ensaio intitulado: “Da educação, da cultura”, publicado n’«O Telégrafo» de 26 de Maio de 1951, Manuel Lopes, depois de focar a importância da educação, afirma que “o equilíbrio entre o espírito e o corpo não permitem a presença de recalcamentos. Não seria exagero pensar que um homem não educado dificilmente poderia ser culto, se a cultura não constituísse, como direi, a segunda edição corrigida, ampliada e aprofundada da educação.”
Manuel Lopes deixou o Faial em 1955 para trabalhar no Cabo Submarino em Carcavelos.
Este escritor manteve ligação com o Faial através do Núcleo Cultural da Horta do qual se fizera sócio, tendo enviado a esta associação cultural, quatro anos depois de ter deixado esta ilha, um volume dos Colóquios Cabo-Verdianos realizados em Lisboa em 1959. Trata-se do XXII volume das edições do Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações do Ultramar. Prefaciado por Jorge Dias, Manuel Lopes inicia os colóquios com “Reflexões sobre a literatura Cabo-verdiana ou a Literatura nos meios pequenos”.
O seu primeiro romance vê a luz um ano depois da saída do Faial, em 1956, e chama-se Chuva Braba, que recebeu o Prémio Fernão Mendes Pinto. Em 1959 publica dois livros ambos premiados: uma colectânea de contos, O Galo cantou na Baía, Prémio Fernão Mendes Pinto, e o romance Os Flagelados do Vento Leste, Prémio Meio Milénio do Achamento das Ilhas de Cabo Verde, com adaptação cinematográfica por António Faria em 1987.
No campo da poesia, além do livro citado e que foi publicado nos Açores em 1949, deu à estampa Crioulo e Outros Poemas em 1964 e Falucho Ancorado (antologia poética com alguns inéditos) em 1997.
Além dos ensaios que apontámos, ainda se regista outro: “As Personagens de Ficção e os seus Modelos” em 1971.
Manuel Lopes gostava de conviver e não se furtava à participação em eventos culturais. Disso é exemplo a sua participação em 1966 no VI Congresso Internacional de Estudos Luso- Brasileiros que tiveram lugar nas Universidades de Harvard, Massachussets, Columbia e Nova Iorque. Até ao fim manteve contacto com a Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde, com sede em Carnide.
Voltando à Conferência do Professor Doutor António Cândido Franco. Este investigador falou da hipótese dos quatro filhos do escritor terem nascido no Faial e deixou no ar algumas ideias interessantes. Uma das pessoas que o ouviam na Sociedade Amor da Pátria, lugar onde Manuel Lopes fizera uma exposição de pintura (a sua pintura é considerada impressionista), confirmou que ele tinha tido filhos cá.
A ideia mais interessante que, a nosso ver, António Cândido Franco deixou, foi a da Macaronésia como um todo que devia estar unido. Assim como a divergência climática entre Minho e o Sul, Alentejo e Algarve, de Portugal Continental, assim estes dois extremos da Macaronésia, Açores e Cabo Verde.
Macaronésia, do grego “Ilhas Afortunadas” ou “Bem-aventuradas”! No meio deste Atlântico na procurada e mítica Atlântida! Estreitemos nossos laços culturais com Cabo Verde que, se não de raça – os açorianos têm-nas tão misturadas que poderão melhor que ninguém fazer a ponte cultural entre todas elas espalhadas pelo mundo –
- com Chiquinho, ouvindo as deliciosas estórias de Nhá Rosa Calita nos serões onde ficou preso porque “o corpo, que é escravo, vai; o coração, que é livre, fica”( Baltasar Lopes, Chiquinho);
- com a nossa solidariedade perante a desolação depois do vento sueste ter levado tudo: as árvores e as casas e “... primeiro/o corpo mirrado da mulher/com o filho nu ao lado/de barriga inchada/que se diria /que foi de fartura que morreu. /O homem depois com os olhos parados/abertos ainda.” (Jorge Barbosa, poema “Casebre”);
- com José da Cruz e o seu sonho, em Santo Antão, de um anjo, “montado numa nuvem que parecia um cavalo” lhe ter vindo trazer água num balde “e quando chegou assim nesta endireitura, virou o balde de boca pra baixo, e a água que saía do balde parecia não acabar nunca” e, cheio de fé de que iria chover, preparou a terra e semeou milho, grãos que, as mulheres, que assistiam lúcidas àquele enterro de sementes, “pensavam na fome que bateria primeiro às portas (delas) mulheres dos que dividiam o seu milho com essa terra que nada lhes prometia e cujos filhos famintos, iriam um dia arrastar-se sobre cada cova para desenterrar, ardidos, grão a grão, os milhares de grãos que os pais, sem dó, estavam enterrando agora...” (Manuel Lopes, Flagelados do Vento Leste).
Nesta ilha, Manuel Lopes assistiu ao fim da Segunda Guerra Mundial, e, de longe, mas perto de coração, ao desespero do seu povo na tragédia da Praia em 1949 quando um muro de 30 metros de comprimento e sete de altura sepultou 279 indigentes que ali aguardavam a sopa que a Assistência Pública diariamente distribuía, acontecimento que levou os faialenses a solidarizarem-se com esta tragédia. Daqui acompanhou vulcões na Macaronésia como o do Monte Poledo na ilha La Palma das Canárias e o célebre Orlando no seu arquipélago de origem, numa altura em que a equipa de Egerton Sykes veio instalar um radar a 2.000 metros de profundidade nos nossos mares em busca de vestígios da Atlântida, de construções que Sykes previa explicassem a transição entre a arquitectura dos Egípcios e a dos Aztecas. Aqui viveu as comemorações do centenário do primeiro Cabo Submarino (28 de Agosto 1850-1950), nessa altura com 350.000 milhas de cabos, unindo as diversas partes do globo, com 50 navios para a sua conservação e 28.000 empregados, sendo ele próprio, Manuel Lopes, um deles.
Manuel Lopes morreu em Janeiro do presente ano em Lisboa com 97 anos de idade.
A sua estada no Faial deu-lhe o distanciamento físico necessário para retratar o seu povo e os seus problemas, o que fez com sentido estético e com lupa de grande humanista. Na ilha de Santo Antão onde tinha uma terra, aprendera a olhar o seu povo de uma forma mais real, tendo descoberto “o autêntico homem rural de Cabo Verde com a tragédia que a História dessas ilhas reza e todo o amor do homem à terra”, confessou ele.
Há cinquenta anos Manuel Lopes deixou o Faial. Que a sua passagem por esta ilha seja lembrada. Muitos serão ainda os faialenses que com ele privaram e dele certamente memórias guardarão. Que as saibam partilhar com os mais novos. Manuel Lopes que tanto valorizou a Língua portuguesa e o crioulo, - um homem que trabalhou numa empresa de comunicação entre os diversos pontos do globo - e que viveu 11 anos nesta ilha, tendo-nos dado tão extraordinário contributo cultural, não pode ser esquecido pelo Faial.
Manuel Lopes viveu no Faial de 1944 a 1955 onde trabalhou no Cabo Submarino por conta de uma companhia inglesa.
Nascido em 1907 em Cabo Verde, aos 25 anos publicara Monografia Descritiva Regional e Paul e aos 27, Horas Vagas (poesia).
No Mindelo, em 1936, tinha sido, juntamente com Baltasar Lopes da Silva e Jorge Barbosa, fundador da revista “Claridade” que viu nove números publicados até 1960. Esta revista surgiu no meio de um movimento de emancipação cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana. “Claridade” afirmou-se como “sensível às realidades do quotidiano do povo (…) no sentido de uma cada vez maior abrangência e representatividade da consciência geral da nação” e foi um marco importante entre as ideias predominantes no século XIX (Classicismo/Romantismo) e o novo realismo. “Claridade” revelou a realidade do povo cabo-verdiano através da estética da palavra de modo a preparar o campo de consciência de Cabo Verde como nação independente. A revista começou por ter na capa do primeiro número, por exemplo, a representação de um batuque da ilha de Santiago, altamente reprimido pelos colonialistas por causa das influências africanas e que se chamava “preocupação”. Em 1986, já Cabo Verde independente, Manuel Lopes, no cinquentenário da revista “Claridade”, recebeu o Prémio Claridade, ex-aequo com Baltasar Lopes da Silva.
Durante a sua estada no Faial, começou a pintar, fez conferências e colaborou com vários jornais.
N’«O Telégrafo» de 9 de Janeiro de 1948 publica um ensaio sobre o romance Chiquinho de Baltasar Lopes: “não é dos tais romances que “acabam bem” ou “acabam mal” consoante o amor ou a morte é chamado a dar-lhes fim.” “Chiquinho, reconhecendo a insuficiência e recursos espirituais e materiais da sua ilha, emigra para a América, a enganadora “Terra de Promissão” de suas virtualidades. “Chiquinho” é uma resposta ao “por quê” da emigração crioula.”
A 17 do mesmo mês, publica n’«O Telégrafo» outro ensaio sobre a literatura Caboverdiana, intitulado: “Características da Moderna Literatura Caboverdiana”. Neste artigo, começa por referir o que escreveu sobre Chiquinho no dia 9 e explica aos interessados no “movimento cultural dentro e fora dos Açores” o que é o movimento moderno caboverdiano criado à volta da revista “Claridade”, deixando clara a ideia que tem de “literatura caboverdiana”: é a “que exprime a sensibilidade e a idiossincrasia do povo daquele arquipélago”. Neste ensaio, além de rejeitar a “estéril literatura de imitação”, explicita as raízes do movimento “claridoso”: a revista “Presença” de Coimbra e o neo-realismo brasileiro; a primeira, por ter cortado com um passado ultrapassado e ter dado um salto em frente a favor da liberdade de expressão, e o segundo, pelo seu conteúdo humano e social. Tanto a revista “Presença” como o movimento neo-realista brasileiro inovam a literatura, trabalhando novos temas. Em relação aos escritores caboverdianos, foi o contacto com o povo e os seus problemas que fez com que se deixassem contaminar, transformando a literatura “artigo de luxo” em “artigo de necessidade”. Necessidade, explica, “de integração humana”. Também alude ao movimento que bebe no da “Claridade”, o da revista “Certeza” (revista neo-realista saída em 1944), e aos sonetistas antiquados que fogem assustados por esta nova geração que traz à literatura uma nova consciência.
A 4 de Agosto de 1949, o livro de poemas de Manuel Lopes Poemas de quem ficou, é referido num artigo não assinado n’«O Telégrafo»: «Valores cabo-verdianos, “Poemas de quem ficou”». O livro iria ser posto à venda brevemente e constava de duas partes: “Momentos” 1935, colecção de poemas ocasionais, e “Partir” 1946, mais localista, girando à volta do tema “partir”. Diz o jornal que o primeiro conjunto de poemas são do período “pré-claridoso” e eram poemas já publicados em revistas e jornais, referindo-os todos, onde se encontram também incluídos os açorianos de Ponta Delgada «Ilha» e «Correio dos Açores». Poemas havia que tinham sido lidos na Sociedade de Geografia e no Teatro Trindade. Por estranho que pareça aos leitores da actualidade, no fim do artigo aparece o “Poema de quem partiu” em castelhano, tradução do cubano Raul Rey, e que fora publicado na revista “Marina Constitucional” de Habana, Cuba. A quem interessaria no Faial o poema traduzido naquela língua?!
A 13 e a 14 do mesmo mês, Manuel Lopes escreve n’«O Telégrafo» dois artigos sobre o Pico: “Os dois Picos”. O primeiro, tem como subtítulo “O Pico prático” e o segundo, “O Pico decorativo”. Lindo de se ler! O Pico prático , o que se pode «sentir com a epiderme e saborear com a boca- o Pico másculo do cotidiano useiro, das frutas, do vinho, da lenha, dos produtos agrícolas, das rochas queimadas, da “ascensão, do mato sombrio (“vert funèbre”, como diria Taine) dos “mistérios”, dos fins de semana, das férias reparadoras e saudáveis» e o Pico feminino, «o puro prazer de contemplação do seu imóvel contorno feminino, do espectáculo de renovado encantamento que, a toda a hora, ela exibe» (a vizinha ilha).
«O Telégrafo» de 30 de Março de 1950 refere uma conferência que fez no “Salão Sporting” com o título: «A cultura do Espírito nos chamados meios pequenos», trabalho dividido em quatro capítulos: “Meios pequenos, meios acanhados”; “A mocidade estudiosa e os meios pequenos”; “A libertação dos meios pequenos pela cultura”; e “Sugestões, não soluções”. Esta conferência tinha sido proferida no dia 28 do referido mês e tinha durado uma hora. A apresentação de Manuel Lopes fora feita pelo Dr. Silva Peixoto, colaborador do jornal e prestes a ir-se embora para S. Miguel.
Num ensaio intitulado: “Da educação, da cultura”, publicado n’«O Telégrafo» de 26 de Maio de 1951, Manuel Lopes, depois de focar a importância da educação, afirma que “o equilíbrio entre o espírito e o corpo não permitem a presença de recalcamentos. Não seria exagero pensar que um homem não educado dificilmente poderia ser culto, se a cultura não constituísse, como direi, a segunda edição corrigida, ampliada e aprofundada da educação.”
Manuel Lopes deixou o Faial em 1955 para trabalhar no Cabo Submarino em Carcavelos.
Este escritor manteve ligação com o Faial através do Núcleo Cultural da Horta do qual se fizera sócio, tendo enviado a esta associação cultural, quatro anos depois de ter deixado esta ilha, um volume dos Colóquios Cabo-Verdianos realizados em Lisboa em 1959. Trata-se do XXII volume das edições do Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações do Ultramar. Prefaciado por Jorge Dias, Manuel Lopes inicia os colóquios com “Reflexões sobre a literatura Cabo-verdiana ou a Literatura nos meios pequenos”.
O seu primeiro romance vê a luz um ano depois da saída do Faial, em 1956, e chama-se Chuva Braba, que recebeu o Prémio Fernão Mendes Pinto. Em 1959 publica dois livros ambos premiados: uma colectânea de contos, O Galo cantou na Baía, Prémio Fernão Mendes Pinto, e o romance Os Flagelados do Vento Leste, Prémio Meio Milénio do Achamento das Ilhas de Cabo Verde, com adaptação cinematográfica por António Faria em 1987.
No campo da poesia, além do livro citado e que foi publicado nos Açores em 1949, deu à estampa Crioulo e Outros Poemas em 1964 e Falucho Ancorado (antologia poética com alguns inéditos) em 1997.
Além dos ensaios que apontámos, ainda se regista outro: “As Personagens de Ficção e os seus Modelos” em 1971.
Manuel Lopes gostava de conviver e não se furtava à participação em eventos culturais. Disso é exemplo a sua participação em 1966 no VI Congresso Internacional de Estudos Luso- Brasileiros que tiveram lugar nas Universidades de Harvard, Massachussets, Columbia e Nova Iorque. Até ao fim manteve contacto com a Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde, com sede em Carnide.
Voltando à Conferência do Professor Doutor António Cândido Franco. Este investigador falou da hipótese dos quatro filhos do escritor terem nascido no Faial e deixou no ar algumas ideias interessantes. Uma das pessoas que o ouviam na Sociedade Amor da Pátria, lugar onde Manuel Lopes fizera uma exposição de pintura (a sua pintura é considerada impressionista), confirmou que ele tinha tido filhos cá.
A ideia mais interessante que, a nosso ver, António Cândido Franco deixou, foi a da Macaronésia como um todo que devia estar unido. Assim como a divergência climática entre Minho e o Sul, Alentejo e Algarve, de Portugal Continental, assim estes dois extremos da Macaronésia, Açores e Cabo Verde.
Macaronésia, do grego “Ilhas Afortunadas” ou “Bem-aventuradas”! No meio deste Atlântico na procurada e mítica Atlântida! Estreitemos nossos laços culturais com Cabo Verde que, se não de raça – os açorianos têm-nas tão misturadas que poderão melhor que ninguém fazer a ponte cultural entre todas elas espalhadas pelo mundo –
- com Chiquinho, ouvindo as deliciosas estórias de Nhá Rosa Calita nos serões onde ficou preso porque “o corpo, que é escravo, vai; o coração, que é livre, fica”( Baltasar Lopes, Chiquinho);
- com a nossa solidariedade perante a desolação depois do vento sueste ter levado tudo: as árvores e as casas e “... primeiro/o corpo mirrado da mulher/com o filho nu ao lado/de barriga inchada/que se diria /que foi de fartura que morreu. /O homem depois com os olhos parados/abertos ainda.” (Jorge Barbosa, poema “Casebre”);
- com José da Cruz e o seu sonho, em Santo Antão, de um anjo, “montado numa nuvem que parecia um cavalo” lhe ter vindo trazer água num balde “e quando chegou assim nesta endireitura, virou o balde de boca pra baixo, e a água que saía do balde parecia não acabar nunca” e, cheio de fé de que iria chover, preparou a terra e semeou milho, grãos que, as mulheres, que assistiam lúcidas àquele enterro de sementes, “pensavam na fome que bateria primeiro às portas (delas) mulheres dos que dividiam o seu milho com essa terra que nada lhes prometia e cujos filhos famintos, iriam um dia arrastar-se sobre cada cova para desenterrar, ardidos, grão a grão, os milhares de grãos que os pais, sem dó, estavam enterrando agora...” (Manuel Lopes, Flagelados do Vento Leste).
Nesta ilha, Manuel Lopes assistiu ao fim da Segunda Guerra Mundial, e, de longe, mas perto de coração, ao desespero do seu povo na tragédia da Praia em 1949 quando um muro de 30 metros de comprimento e sete de altura sepultou 279 indigentes que ali aguardavam a sopa que a Assistência Pública diariamente distribuía, acontecimento que levou os faialenses a solidarizarem-se com esta tragédia. Daqui acompanhou vulcões na Macaronésia como o do Monte Poledo na ilha La Palma das Canárias e o célebre Orlando no seu arquipélago de origem, numa altura em que a equipa de Egerton Sykes veio instalar um radar a 2.000 metros de profundidade nos nossos mares em busca de vestígios da Atlântida, de construções que Sykes previa explicassem a transição entre a arquitectura dos Egípcios e a dos Aztecas. Aqui viveu as comemorações do centenário do primeiro Cabo Submarino (28 de Agosto 1850-1950), nessa altura com 350.000 milhas de cabos, unindo as diversas partes do globo, com 50 navios para a sua conservação e 28.000 empregados, sendo ele próprio, Manuel Lopes, um deles.
Manuel Lopes morreu em Janeiro do presente ano em Lisboa com 97 anos de idade.
A sua estada no Faial deu-lhe o distanciamento físico necessário para retratar o seu povo e os seus problemas, o que fez com sentido estético e com lupa de grande humanista. Na ilha de Santo Antão onde tinha uma terra, aprendera a olhar o seu povo de uma forma mais real, tendo descoberto “o autêntico homem rural de Cabo Verde com a tragédia que a História dessas ilhas reza e todo o amor do homem à terra”, confessou ele.
Há cinquenta anos Manuel Lopes deixou o Faial. Que a sua passagem por esta ilha seja lembrada. Muitos serão ainda os faialenses que com ele privaram e dele certamente memórias guardarão. Que as saibam partilhar com os mais novos. Manuel Lopes que tanto valorizou a Língua portuguesa e o crioulo, - um homem que trabalhou numa empresa de comunicação entre os diversos pontos do globo - e que viveu 11 anos nesta ilha, tendo-nos dado tão extraordinário contributo cultural, não pode ser esquecido pelo Faial.
Maria Eduarda Rosa
Publicado no "Tribuna das Ilhas" em 13 de Maio de 2005
(III Aniversário do Tribuna das Ilhas)
Nota: No dia 9 de Fevereiro na Sociedade Amor da Pátria, na cidade da Horta, pelas 21:00 horas, comemora-se o I centenário do nasc imento de Manuel Lopes, com a presença do embaixador de Cabo Verde em Portugal, uma conferência sobre as literaturas Açoriana e Cabo-Verdiana por Eduíno de Jesus, uma sessão de poesia, actuação do CBA com temas de Cesária Évora e Tito Paris, e uma exposição de fotografia sobre "Os rostos da Claridade". A organização é da Direcção Regional das Comunidades e da Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta.
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