domingo, 4 de maio de 2008

A tristeza de Miguel Sousa Tavares

via Estado Sentido de Nuno Castelo-Branco em 03/05/08

O Expresso de hoje, publica uma interessante crónica de MST, na qual o jornalista desfia o rosário de misérias e dificuldades que o Portugal dos nossos dias enfrenta. As queixas são múltiplas, desde o estado desastroso de uma educação desleixada, à inexistência de produção nacional. Tudo isto remete o leitor para os anos setenta, onde o anterior regime era acusado de nada ter feito pela modernização do país que permaneceu sem uma indústria capaz de garantir um desenvolvimento sustentado e o bem estar da população. Convenientemente esquecidos os Planos de Fomento que proporcionaram ao país um crescimento que adivinhava um milagre económico a par daquele vivido pela Espanha franquista e o colossal investimento feito no Ultramar, a oposição jamais compreendeu aquilo que habitualmente se designa de interesse nacional. A guerra, a opressão política e a censura, surgiam como os responsáveis pelo atraso. A imigração surgia então, como consequência lógica dessa falta de horizontes e de oportunidades de crescimento individual e colectivo. Hoje fogem operários, fogem licenciados e técnicos de grande valor, formados muitos deles com os dinheiros públicos investidos. O que se passa?

A agricultura dos latifúndios, era outro dos sectores alvo da fúria revolucionária, surgindo aos olhos dos analistas como que adormecida pelas sesmarias medievais e pelo egoísmo e desinteresse dos terratenentes. E então como estão agora os campos, o que nos dão para comer e quem distribui o pouco que alguns ainda conseguem produzir?

Três décadas após o diagnóstico catastrofista, eis que nos encontramos pior do que estávamos. Em Portugal pouco produz e a fábrica de Palmela - esse mítico local de arranque industrial das novas tecnologias -, parece ser o único argumento válido daqueles que reivindicam a evidência dos progressos conquistados. Portugal podia produzir mais e melhor e a sua mão de obra barata é susceptível de atrair grandes empresas estrangeiras. O nosso país não é periférico nesta economia global e situa-se na intersecção das principais rotas comerciais marítimas. Possui bons portos, clima ameno e paz política e social. Invejável.

O que falhou, então?

Se excluirmos os sectores tradicionais do calçado, vinho e móveis, temos pouco para oferecer e a liquidação da agricultura, à custa de subsídios incentivadores do abandono de terras, surge novamente como um incontornável e necessário sector da economia. O preço dos alimentos encarece quotidianamente e não podemos imaginar o momento de uma súbita rarefacção de bens de primeira necessidade que fará explodir o motim que todos adivinham. As pescas foram igualmente destruídas pela benfazeja CEE, enquanto no país vizinho são um sector moderno, eficiente e com garantido futuro a médio prazo. O nosso regime abateu a frota mercante e tudo aquilo que comemos e usamos, é-nos trazido em porões estrangeiros. Nem paquetes ou cruzeiros possuímos e decerto muitos se lembrarão ainda do triste abanar de cabeças de há trinta anos, quando os governantes enviaram o Príncipe Perfeito, o Infante D. Henrique, o Santa Maria ou o Vera Cruz, para a sucata. Estranho argumento este, pois alguns destes vasos são hoje propriedade estrangeira e navegam cheios de turistas, nos sempre apetecíveis e lendários Classic Cruisers... Mentiras, corrupção, roubo, felonias, e negociatas, eis a verdade.

Quem há uns anos necessitasse de fazer pequenas obras em casa, deslocava-se a uma qualquer estância de bairro, onde podia adquirir pregos, martelos, alicates e todo o tipo de ferramentas necessárias, made in Portugal. Hoje, tudo é importado, não apenas da China, mas também dos países vizinhos e associados na UE. Cai uma vez mais por terra a habilidosa desculpa da deslocalização.

Em Espanha ou na Irlanda, para apenas citarmos dois países membros, os incentivos à instalação de novas empresas são evidentes e compensadores para quem quer investir, mesmo tratando-se de Estados onde a população aufere de vencimentos muito acima da média dos salários portugueses. Que explicação têm as nossas autoridades para nos dar?
Fracasso na Indústria. Fracasso na agricultura. Desastre nas pescas, na marinha mercante, na gestão dos portos. Depredação e política selvagem de ocupação de terrenos da zona histórica pela especulação imobiliária nacional e estrangeira. O recente anúncio de obras na frente ribeirinha, esconde habilidosamente mais um violento ataque aos verdadeiros donos dos terrenos, os lisboetas . Pauperização progressiva dos grandes centros urbanos e desertificação do interior. É o cenário digno de um verdadeiro Finis Patriae, desta vez muito consistente e bem afastado das loucuras efabuladas no estertor do século XIX.

A república é a culpada, entendendo a república como o actual estado de coisas, onde o privado, mesquinho e despótico se sobrepõe ao interesse da comunidade. Arriscamos-nos a uma convulsão cujos contornos brutais serão inéditos na nossa longa história. Há que urgentemente dar-lhe remédio. Basta!

O Miguel Sousa Tavares tem razão em tudo o que diz. Lamento apenas que mais uma vez, não tenha apontado com desassombro o caminho do futuro.

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