Guiné 63/74 - P2821: Um estrangeiro numa nova Nação. Cor. Albano Mendes de M...
Caro Camarada,
Vou enviar algumas notícias. Começo pelo último dia passado na Guiné-Bissau.
Não fui o último militar a sair da Guiné, foi também o meu condutor. Emendo o escrito anterior.
Foi um momento emocionante o meu último dia na Guiné-Bissau, em 13 de Outubro de 1974.
O então Tenente Albano Matos, em Bissau, nos últimos dias da presença portuguesa na Guiné.
Disse aos ex-soldados que já não havia dinheiro e o tesoureiro já se encontrava em Portugal. Responderam-me que eu queria era ir para Portugal gozar com o dinheiro deles. Levei-os à tesouraria e mostrei-lhes os cofres abertos, sem dinheiro.
Disse-lhes que poderia promover o envio do dinheiro, quando chegasse a Portugal, para a Embaixada na Guiné. Tomei nota dos números, nomes e da Unidade a que pertenceram. Entreguei-lhes uma declaração assinada por mim e pelos comandante da secção militar do PAIGC.
Em Novembro/Dezembro enviei o dinheiro devido ao 6 militares, não tendo conhecimento se o receberam.
Chegadas as 13 horas, sem que tivesse aparecido qualquer elemento do PAIGC, nem o meu condutor, como lhe havia dito, para me conduzir a casa de um locutor da Emissora, português que ficou na Guiné, para almoçar. Com uma pequena mala, resolvi ir, a pé, para o forte da Amura, junto ao Cais do Pindjiguiti, onde tinha a minha bagagem.
Quando, na estrada, me preparava para caminhar, surgiu um jipe com um militar do PAIGC, mulato, de meia-idade, que me disse:
- Camarada, para onde vai? Contei-lhe o sucedido e logo se prontificou levar-me à Amura, mas que lhe ensinasse o caminho, porque só tinha ido a Bissau, durante a guerrilha, uma vez, de noite, ao cinema na UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau). Perguntando-lhe quem era, respondeu que era um comandante do Exército do PAIGC, que fora ver as instalações do Comando do Quartel-General, onde se iria instalar, ainda nesse dia.
Conduziu-me no jipe não à Amura, mas a um restaurante de um primo do meu condutor, português a quem o Governo da Guiné pediu para não sair, porque era o chefe da fábrica de descasque de arroz, situada numa ilhota, no rio Geba, em frente de Bissau.
Lá encontrei o meu condutor com uma grande bebedeira, não podendo conduzir o jipe. Disse-lhe que não se embebedasse mais, porque às 11 horas da noite tinha que estar junto do jipe, em frente do restaurante do primo, para irmos para o aeroporto.
Almocei e jantei na casa do referido locutor e andei pelas ruas e pelos bares de Bissau. Só encontrava guineenses que me cumprimentavam e desejavam boa viagem e muita sorte.
Dei por mim a olhar para as memórias portuguesas que ficavam por aquelas paragens: edifícios, estátuas, toponímia. E a recordar a história que me tinham ensinado, com navegadores, guerreiros, missionários e pacificadores.
Imaginei os primeiros portugueses a chegar àquelas terras.
E eu, agora, o último a passear pelas ruas de Bissau, no fim do Império.
Estavam lá mais portugueses, o Governador e alguns militares, mas não saíam à rua. Às 23 horas, foram sob escolta para o aeroporto. Também estava um navio com um Batalhão nas proximidades do porto, para zarpar quando o último avião da Guiné estivesse no ar, para a última viagem aérea de uma parte do Império.
Um pouco depois das 11 horas da noite, dirigi-me para o jipe. O condutor estava melhor da bebedeira. Com ele estava o primo. Alguns negros param a olhar para nós. Aproximaram-se. O jipe arrancou. Os guineenses ficaram a acenar, de braços levantados. Descemos pela avenida principal, subimos pelo lado do campo de futebol.
Sentia uma sensação estranha. Já na estrada do aeroporto, olhei para trás. Duas lágrimas saltarem-me dos olhos. Era estrangeiro numa nova nação.
Já perto do aeroporto, o condutor perguntou-me:
- Meu tenente, onde deixo o jipe?
– Atira-o para uma barreira!
Parámos à entrada do parque do aeroporto. Desci com a pequena mala. O condutor colocou uma sacola no chão, subiu para o jipe e conduziu-o até uma pequena ladeira, ao lado da estrada, um pouco antes do aeroporto, para onde o encaminhou com um pequeno empurrão.
No aeroporto, para entrarem no último avião da Guiné, estavam o Governador, o Comandante Militar, alguns militares coadjuvantes, oficiais, sargentos e meia dúzia de soldados.
Para apresentarem cumprimentos de despedida, chegaram alguns chefes militares do Exército do PAIGC e o Presidente da Câmara Municipal de Bissau.
Era o fim da colónia ou província portuguesa da Guiné, já independente desde o mês de Agosto.
Albano Mendes de Matos__________
6 de Abril > Guiné 63/74 - P2725: O nosso Livro de Visitas (10): Albano M. Matos, o último Militar Português a abandonar a Guiné.
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