Brutalidade em estado puro
Na cidade de Amstetten, 130 quilómetros a oeste de Viena, o quotidiano continuaria igual, com as crianças «adoptadas» a fazerem uma vida normal e com boas notas na escola. Mas como quase sempre acontece nos enredos sinistros, um acaso desvendou o que hoje se considera uma história de horror sem precedentes: Josef encarcerara a filha, Elisabeth, numa cave e, durante mais de duas décadas, violara-a, repetidamente, engravidando-a sete vezes. No último dia 19, Kerstin, 19 anos, uma das filhas de Elisabeth Fritzl, com o seu estado de saúde gravemente afectado, perdeu a consciência. Graças às súplicas da mãe, Kerstin saiu, pela primeira vez, da masmorra onde sempre vivera e foi levada por Josef ao hospital da localidade. Uma vez internada, os médicos contactaram as autoridades: o diagnóstico apontava para uma doença grave que se manifesta em casos de incesto e era preciso encontrar a mãe.
Nova súplica e, pela primeira vez, a própria Elisabeth, filha do casal septuagenário, sai do cubículo sem luz natural e com uns exíguos 60 metros quadrados e duas saídas de ventilação, onde vivia há 24 anos, encarcerada pelo pai, Josef, desde os 18. E onde um dos seus filhos morrera à nascença, por falta de cuidados médicos.
Receoso de que tal voltasse a acontecer, desta vez com Kerstin, o sequestrador acedeu ao pedido de Elisabeth e deixou-a ir ter com ele ao hospital, no último fim-de-semana, juntamente com outros dois filhos do incesto, de 18 e 5 anos, que também nunca haviam visto a luz do dia. Foi a oportunidade de que Elisabeth precisava para pedir socorro. O pai, que dela abusara desde os seus 11 anos, ia, por fim, ser desmascarado. Josef, o monstro.
Cenário Maquiavélico
Aos 18 anos, Elisabeth fugiu de casa, mas, por motivos ainda desconhecidos, não denunciou a sua situação à polícia e voltou para a residência familiar. Aí começou outro calvário, bem pior do que o anterior. Forçada a descer à cave, nunca mais de lá sairia, até ao fim-de-semana passado. Com uma aparência bem mais velha do que a sua idade real, 42 anos, e numa condição psíquica terminal, ali estava a jovem que a Interpol procurara, em vão, nos anos oitenta. A mesma que tivera de sujeitar-se a um pai violador, enclausurada com três dos seus seis filhos, alegadamente, sem que a própria mãe, Rosemarie, suspeitasse. E que fora obrigada a escrever e a assinar cartas, declarando pertencer a uma seita religiosa, não podendo, por isso, cuidar da prole. Era este o plano do sequestrador para criar três dos seis filhos vivos, no piso térreo da habitação, sem ninguém saber. Segundo a polícia, Josef e Rosemarie conseguiram convencer as autoridades de que haviam encontrado e «adoptado» cada uma daquelas três crianças em 1993, 1994 e 1997, à porta de casa.
Aos olhos da vizinhança do bairro de classe média onde vivia a família Fritzl, Josef passava por ser uma pessoa «normal, sempre amável e com boa constituição física». Por ter acolhido aqueles três netos, hoje com idades entre os 10 e os 15 anos, o casal era até enaltecido.
Josef começou por confessar às autoridades que incinerou o corpo da criança, sua filha e de Elisabeth, que morreu pouco depois de nascer, em 1996. Mas um mundo infindável de perguntas emerge, a mais óbvia das quais tem a ver com a mulher do carrasco, Rosemarie: como pode alegar que desconhecia o horror que se desenrolava sob os seus pés? E os outros seis filhos biológicos do casal? O que argumentam?
Em choque
Ainda não completamente refeita do caso de Natascha Kampusch, a sociedade austríaca confronta-se, em estado de choque, com esta nova monstruosidade. Não passaram, sequer, dois anos desde que Natascha conseguiu escapar da alçada de Wolfgang Priklopil, um homem com transtornos mentais que a raptou quando ela se dirigia para a escola. Tinha 10 anos e viveu enclausurada numa masmorra mais oito, ou seja, toda a sua adolescência.
Em Amstetten, uma cidade industrial com cerca de 23 mil habitantes, ninguém quer acreditar que Josef Fritzl existe. Psicopata? Inimputável? A verdade é que tinha o seu sórdido esquema bem urdido. Apenas ele conhecia o código secreto que abria a porta de cimento, à prova de som, do calabouço, com apenas 1,70 metros de altura (ver infografia). Como único privilégio, deixava as crianças encarceradas verem televisão. Foi mesmo com entusiasmo que a mais nova, ao entrar num carro com uma assistente social, contou que só conhecia os automóveis do pequeno ecrã.
Kerstin encontrava-se em coma induzido e os médicos excluíram já a possibilidade de sequelas físicas. Quanto a Elisabeth, está a ser seguida num hospital psiquiátrico, bem como as crianças, cujo estado é considerado estável.
Natascha Kampusch, agora com 20 anos, manifestou o desejo de conversar com Elisabeth e de a ajudar economicamente a sustentar os seus filhos, três rapazes e três raparigas (ver cronologia). Mesmo as histórias mais terríveis podem ter um final reconfortante.
Fonte: Revista Visaonline - por Clara Soares - 02 Mai 2008
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