domingo, 8 de junho de 2008

Ponto da situação em Brá

via Guiné, Ir e Voltar de A. Briote em 07/06/08
Os comandos da Guiné começaram na operação Tridente, na ilha do Como, com a actuação de um pequeno grupo, quase todos oficiais e sargentos. Em face dos resultados obtidos, o Comando Militar de então resolveu formar três grupos. Encarregou o major Correia Dinis para dirigir o Centro de Instrução, em Brá.
Num relatório de Maio de 1964, o major escrevia que o Centro estava pronto a iniciar o curso. Anexava, nesse relatório, o plano de instrução. Treze semanas no total, 2 para a preparação de instrutores e monitores, 3 para a instrução de quadros e 8 semanas para a instrução dos grupos. A selecção de quadros e praças já tinha terminado. Havia ainda uns problemas a resolver, o mais importante de todos era a indisponibilidade dos batalhões em cederem pessoal.

O Comandante Militar de então acelerou o processo. Que não era demasiado salientar as vantagens da formação dos grupos para poderem ser aplicados. Uma tropa com tão elevado grau de instrução e dotada de espírito tão agressivo, era mesmo o que estava a fazer falta ao CTIG. Que já se tinha perdido demasiado tempo, o entusiasmo dos voluntários podia até esmorecer. De forma explícita, ordenava que o pessoal fosse imediatamente posto à disposição do centro.
Em 11 de Junho, numa nota dirigida ao Comando Militar, o major Dinis indicava a data de 15 do mesmo mês para o início da escola de quadros, indicando os nomes dos instrutores e monitores. Mais uma vez adiada a data, a escola de quadros iniciou-se finalmente em 29 do mesmo mês.
A seguir formaram os 3 grupos, o Saraiva com os Fantasmas, o Godinho com os Camaleões e o Pombo dos Santos com os Panteras.
Percorreram a Guiné de uma ponta a outra. Com o entusiasmo inicial, superaram tudo o que fossem dificuldades, empregaram-se a fundo, os resultados ultrapassaram as expectativas, surpreenderam até o Comando Militar.
Olha vão ali os gajos dos comandos, a maralha a olhar para eles. Sabe-se como é, ganharam fama e respeito pelo trabalho que fizeram e por aquilo que contaram também. As comissões individuais e as baixas em combate ou por doença, começaram a fazer estragos, os grupos ficaram mais pequenos, era necessário começar novo curso de quadros, aproveitar os resistentes e formar novos grupos. O major fora entretanto promovido e o seu regresso a Lisboa estava próximo.
Depois o capitão Rubim tomara conta do Centro e foi o que se sabe. Não por incompetência militar, operacionalmente até era bem competente. Talvez uma certa dificuldade no jogo diplomático, nos corredores do QG. As questões prendiam-se todas com a logística e o emprego operacional dos grupos. Promessas e mais promessas. E que se saiba, resolveu bater com a porta, sem estrondo como era da sua maneira.
Não se entenderam também muito bem uns com os outros, a história da Associação Comercial, os problemas disciplinares com a P.M., e os alferes também não ajudaram muito, a verdade tem que se dizer.
De baixa estatura, menos de 1,70, o corpo maciço escondia uma robustez física incomum. Espantava num tipo daqueles, o jeito que tinha para o desenho e para as pinturas. Passava os dias a montar modelos, aviões de sonho, militares e civis, navios de guerra, desde patrulhas a porta-aviões. Tudo pintado nas cores dos originais, os nomes e tudo. Na saída, ofereceu-lhe um porta-aviões, as outras maravilhas levou-as todas.


O capitão Leandro, nestes dois meses que tinham decorrido desde a sua tomada de posse, estava a ver a história toda para trás, relatórios e actas nas mãos. Analisara a organização, o quadro orgânico, os efectivos, o sistema de recrutamento, as instalações, a alimentação, a administração, fardamentos, cargas. O estado moral, físico e disciplinar do pessoal. Os oficiais, sargentos e praças, os materiais, a instrução durante e depois do curso, as operações em que intervieram, antes e depois da sua tomada de posse, a forma como os grupos estavam a ser utilizados, tudo a pente fino.
Apesar de ter poucos anos ainda como oficial, achava que, atendendo às circunstâncias próprias do povo português, o pessoal, entenda-se cabos e soldados, era quase sempre bom. Quando surgiam problemas, normalmente deviam-se à organização, frequentemente mal montada ou aos graduados, quase sempre as duas coisas juntas. Neste caso dos comandos da Guiné, os oficiais eram cruciais na organização, não se cansava de insistir.
Saía com eles para o mato, acompanhava-os na instrução, fazia-lhes ver a importância do papel deles na organização, moralizava-os, até os tempos livres aproveitava para os ouvir.
Os alferes tinham colaborado e também neles sentiu a necessidade de falar com ele. A agressividade incrível com que tinham sido formados e treinados, jovens de 20 e poucos. Como é possível que eles tenham dois comportamentos tão distintos, no mato em contacto com o IN e umas horas depois com a P.M. e a população civil na cidade? E seria mesmo adequado que estivessem tão próximos de Bissau? Não seria mais sensato, e mais proveitoso até, que estivessem em Mansoa, em Buba, ou num sítio assim? De quem fora a ideia, tê-los a meia dúzia de passos da cidade?
Em alguns casos, não tinha dúvidas, tinham sido mal orientados, deixados ao sabor da intuição deles, sem a mínima directiva. Até achava que o produto final era muito positivo e, se tivessem tido outra orientação, muitos dos problemas disciplinares que ocorreram não teriam sequer existido.
Dos 5 alferes a que a companhia tinha direito, quatro comandantes de grupo e um como adjunto, restavam-lhe agora praticamente 2, o Gil e o Caldas, este sobretudo com experiência administrativa. E, pelo que tinha visto deles até agora, achava-os competentes, mereciam-lhe confiança, esperava que continuassem como até aqui na parte operacional, e se integrassem no seu modo de dirigir. Contava com eles, eram as pedras base do edifício a reconstruir, dissera-lhes mais que uma vez.

No relatório inicial que fizera para o Comandante Militar, adiantara várias propostas, pensara até que com tantas dificuldades, de tanto lado, se calhar não seria má ideia extinguir os grupos. O Brigadeiro refutou com o argumento de que, apesar de todas as dificuldades, os grupos até então existentes eram os que mais contactos tinham tido com o IN e com mais material capturado até à data.
Vira os resultados das tropas especiais que a 3ª rep tinha preparado para o brigadeiro, comparou-os com os fusos e os páras. Contacto efectivo com o IN em mais de 80% das saídas para o mato! Ouvira o brigadeiro dizer que não se esquecesse o capitão, que os comandos, a maior parte das vezes, actuavam em áreas densas de IN, indo em grupos de 20 a 25 homens, quando a tropa normal não se metia lá com efectivos inferiores a uma companhia.
Nem um por cento do efectivo total das NT na Guiné, quase 10% das baixas totais causadas ao IN! Extingui-los? Não, a saída pode ser outra, o Brigadeiro a propor outra solução, para aproveitar a qualidade do pessoal que restava, palavras dele.
Concluíram a reunião assentando que deveria ser feito o recompletamento para manter o quadro orgânico e isolá-los em Brá, fazendo com que passassem o máximo do tempo no aquartelamento. Resolver o problema alimentar, ministrar o próximo curso com eficiência e utilizar os grupos em operações específicas para comandos e não para reforçar algumas guarnições em sector.
Regressara a Brá, encorajado, sentira o apoio que andava a reclamar. Depois mudou quase toda a organização administrativa, conseguiu mais praças para o recompletamento, arranjou cozinheiros, alimentação própria, obrigou-os a almoçar todos juntos, disciplinou as saídas, novas viaturas, melhorou as instalações, e conseguiu, o que não fora nada fácil, fazer aprovar as orientações e normas para o emprego dos grupos.
Agora, este tempo passado, achava que valera a pena, que tinha feito bom trabalho. Os grupos melhoraram os resultados, os conflitos com a P.M. diminuíram para menos de metade, nem um castigo fora necessário.

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