A NOSSA GRANDE MESTIÇAGEM
via Legião Patriótica de Legionário em 31/12/08
Ana Gershenfeld, Público 2/12/2008Se aprendeu na escola que os judeus e os mouros foram expulsos da Península Ibérica pela Inquisição, desengane-se. A população actual da Península Ibérica, e de Portugal em especial, revela uma enorme mestiçagem com estes dois povos, promovida precisamente... pela intolerância religiosa. Os genes contam a história.
Não é raro ouvir um português dizer, falando com algum orgulho das suas hipotéticas mas exóticas raízes, que "tem um avô judeu" - e isso, apesar de não haver, oficialmente, muitos judeus a residir em Portugal desde há uns 500 anos. Mas a acreditar num estudo genético dos homens da Península Ibérica agora publicado, esta afirmação, que até aqui era mais uma boutade do que outra coisa, revela-se muito mais certeira do que se pensava. O estudo sugere que o tetra-tetra-tetra-avô de muitos portugueses terá sido um judeu sefardita - ou um muçulmano do Norte de África - que, para escapar à morte e à deportação, à "limpeza étnica", para usar um termo moderno, promovida pela Inquisição, se terá convertido ao cristianismo, forçado ou por vontade própria. Fundiu-se na população geral e abandonou a sua fé e cultura originais, para depois acabar por esquecê-las.
O estudo, ontem publicado on-line no American Journal of Human Genetics, tem por título O Legado Genético da Diversidade Religiosa e da Intolerância: Linhagens paternas dos cristãos, judeus e muçulmanos na Península Ibérica e abrange a totalidade do que são hoje Espanha, Portugal e as ilhas Baleares. Mostra que a mestiçagem dos povos ibéricos ancestrais com os judeus e com populações do Magrebe deixou marcas detectáveis nos genes das populações ibéricas actuais. E, neste contexto, Portugal surge como o campeão: é por cá, especialmente no Sul do país, que a presença de genes "não-ibéricos" atinge os seus máximos - máximos que se revelam, aliás, inesperadamente elevados.
Em linhas gerais, os judeus chegaram à Península Ibérica no início da era cristã, no tempo do Império Romano, vindos do Médio Oriente, e permaneceram até ao final do século XV: esses judeus são os chamados judeus sefarditas (Sefarad, em hebreu, significa Espanha). Os povos berberes do Norte de África, por seu lado, vieram para a península no século VIII e permaneceram até ao século XV-XVI. Tanto os sefarditas como os magrebinos foram expulsos ou obrigados a converter-se ao cristianismo pela Inquisição, num processo que na realidade demorou séculos e foi marcado por várias ondas de intolerância religiosa.
A equipa internacional de cientistas que fez o estudo - e que inclui investigadores portugueses - analisou a genealogia genética de mais de mil homens da Península Ibérica através da evolução do seu cromossoma Y (o cromossoma do sexo masculino). Como este cromossoma é transmitido, ao longo das gerações, de pai para filho, é muito útil nos estudos deste tipo (embora só nos homens, claro). O ADN do cromossoma vai sofrendo mutações ao longo do tempo e essas mutações constituem "marcadores" que permitem reconstituir as linhagens paternas. Dois tipos de marcadores no cromossoma Y serviram neste estudo. Os primeiros, ditos STR (short tandem repeats), são feitos da repetição de um mesmo pequeno fragmento de ADN. São alterações genéticas que surgem com muita frequência aquando da transmissão do cromossoma Y de pai para filho, e como a taxa dessas mutações, que é relativamente constante, é conhecida, funcionam como um "relógio" molecular. Como uma "escala do tempo", disse ao P2 João Lavinha, responsável pela unidade de investigação do Departamento de Genética do Instituto de Saúde Ricardo Jorge, em Lisboa - e um dos co-autores do estudo: "Permitem saber há quantos anos aqueles Y cá estão." O segundo tipo de marcadores, ditos binários, são mutações muito menos frequentes que consistem quer em alterações pontuais do ADN (numa só "letra" desta imensa molécula), quer em fragmentos que são apagados ou acrescentados. "São detalhes na sequência [neste caso, do cromossoma Y] que, pela sua presença ou ausência, informam sobre a origem geográfica desse Y", acrescenta João Lavinha. "No estudo, utilizámos 28 marcadores binários."
Populações parentais
Os cientistas, liderados por Mark Jobling, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, partiram de três populações ancestrais ou "parentais" de referência: a dos "ibéricos" (constituída pelos cromossomas Y de 116 bascos, considerados como os mais próximos parentes das populações ibéricas mais antigas); a dos magrebinos (os cromossomas Y de 361 homens do Sara Ocidental, Marrocos, Argélia, Tunísia); e a dos judeus sefarditas (174 homens que se autodesignam como tal, entre os quais 16 de Belmonte e o resto da Bulgária, Grécia, Espanha, Turquia e da ilha de Djerba).
Em cada uma destas populações, existe uma combinação predominante de marcadores binários - isto é, de presenças/ausências ou alterações pontuais no ADN -, o que faz com que seja fácil "diagnosticar" a ascendência de um cromossoma Y escolhido ao acaso. "Há quatro tipos de combinações de marcadores binários do cromossoma Y com valor de diagnóstico", confirma João Lavinha. "O resto é ruído." Desses quatro, três são mesmo característicos de apenas uma das três populações consideradas, pois não existem em nenhuma das duas outras. Têm nomes de código que parecem sopas de letras: a dos "ibéricos" chama-se R1b3, a dos magrebinos E3b2 e a dos judeus J2. São estas combinações de marcadores que serviram de base para a comparação com as populações actuais, permitindo determinar a contribuição de cada um dos três "antepassados" aos descendentes de hoje em dia.
Quem foram os "descendentes" utilizados no estudo? Foram 1140 homens da Península Ibérica e das ilhas Baleares - ou melhor, o seu cromossoma Y. Em Portugal, a amostra consistia em 62 cromossomas Y de homens do "Norte" (definido, para o efeito, como a região a norte do sistema montanhoso Montejunto-Estrela) e 78 de homens do "Sul", explica João Lavinha. "Considerámos que esse sistema montanhoso é uma barreira geográfica que terá feito com que as respectivas populações se cruzassem menos", frisa. O material genético oriundo de Portugal fora recolhido em inícios dos anos 90 e o critério de selecção para o actual estudo foi que os homens tivessem um avô paterno nascido na mesma região que eles (Norte/Sul). "Isso significa que estas linhagens estão no mesmo sítio desde o ano 1900", faz notar João Lavinha.
A última fase consistiu em calcular as contribuições das três populações parentais ao cromossoma Y dos homens actuais. "Essas proporções são uma medida da mestiçagem", diz ainda o geneticista.
Conclusão: em média, os homens ibéricos actuais tem 20 por cento de ascendência judia sefardita e 11 por cento de ascendência magrebina. E para Portugal, em particular, os números são impressionantes. Os cromossomas Y analisados apresentam, em média, 15 por cento de ascendência norte-africana no Sul e 10 por cento no Norte. "É mais do que se esperaria", reflecte João Lavinha. Mas é em relação aos judeus sefarditas que as proporções são "enormes", salienta: em média, 35 por cento dos homens no Sul têm genes sefarditas e, no Norte, 25 por cento. "Os cristãos-novos são uma realidade", reflecte João Lavinha. "Muita gente não fugiu nem foi expulsa; misturou-se. Nós não temos essa noção, mas eles sobreviveram à intolerância religiosa."
Não é raro ouvir um português dizer, falando com algum orgulho das suas hipotéticas mas exóticas raízes, que "tem um avô judeu" - e isso, apesar de não haver, oficialmente, muitos judeus a residir em Portugal desde há uns 500 anos. Mas a acreditar num estudo genético dos homens da Península Ibérica agora publicado, esta afirmação, que até aqui era mais uma boutade do que outra coisa, revela-se muito mais certeira do que se pensava. O estudo sugere que o tetra-tetra-tetra-avô de muitos portugueses terá sido um judeu sefardita - ou um muçulmano do Norte de África - que, para escapar à morte e à deportação, à "limpeza étnica", para usar um termo moderno, promovida pela Inquisição, se terá convertido ao cristianismo, forçado ou por vontade própria. Fundiu-se na população geral e abandonou a sua fé e cultura originais, para depois acabar por esquecê-las.
O estudo, ontem publicado on-line no American Journal of Human Genetics, tem por título O Legado Genético da Diversidade Religiosa e da Intolerância: Linhagens paternas dos cristãos, judeus e muçulmanos na Península Ibérica e abrange a totalidade do que são hoje Espanha, Portugal e as ilhas Baleares. Mostra que a mestiçagem dos povos ibéricos ancestrais com os judeus e com populações do Magrebe deixou marcas detectáveis nos genes das populações ibéricas actuais. E, neste contexto, Portugal surge como o campeão: é por cá, especialmente no Sul do país, que a presença de genes "não-ibéricos" atinge os seus máximos - máximos que se revelam, aliás, inesperadamente elevados.
Em linhas gerais, os judeus chegaram à Península Ibérica no início da era cristã, no tempo do Império Romano, vindos do Médio Oriente, e permaneceram até ao final do século XV: esses judeus são os chamados judeus sefarditas (Sefarad, em hebreu, significa Espanha). Os povos berberes do Norte de África, por seu lado, vieram para a península no século VIII e permaneceram até ao século XV-XVI. Tanto os sefarditas como os magrebinos foram expulsos ou obrigados a converter-se ao cristianismo pela Inquisição, num processo que na realidade demorou séculos e foi marcado por várias ondas de intolerância religiosa.
A equipa internacional de cientistas que fez o estudo - e que inclui investigadores portugueses - analisou a genealogia genética de mais de mil homens da Península Ibérica através da evolução do seu cromossoma Y (o cromossoma do sexo masculino). Como este cromossoma é transmitido, ao longo das gerações, de pai para filho, é muito útil nos estudos deste tipo (embora só nos homens, claro). O ADN do cromossoma vai sofrendo mutações ao longo do tempo e essas mutações constituem "marcadores" que permitem reconstituir as linhagens paternas. Dois tipos de marcadores no cromossoma Y serviram neste estudo. Os primeiros, ditos STR (short tandem repeats), são feitos da repetição de um mesmo pequeno fragmento de ADN. São alterações genéticas que surgem com muita frequência aquando da transmissão do cromossoma Y de pai para filho, e como a taxa dessas mutações, que é relativamente constante, é conhecida, funcionam como um "relógio" molecular. Como uma "escala do tempo", disse ao P2 João Lavinha, responsável pela unidade de investigação do Departamento de Genética do Instituto de Saúde Ricardo Jorge, em Lisboa - e um dos co-autores do estudo: "Permitem saber há quantos anos aqueles Y cá estão." O segundo tipo de marcadores, ditos binários, são mutações muito menos frequentes que consistem quer em alterações pontuais do ADN (numa só "letra" desta imensa molécula), quer em fragmentos que são apagados ou acrescentados. "São detalhes na sequência [neste caso, do cromossoma Y] que, pela sua presença ou ausência, informam sobre a origem geográfica desse Y", acrescenta João Lavinha. "No estudo, utilizámos 28 marcadores binários."
Populações parentais
Os cientistas, liderados por Mark Jobling, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, partiram de três populações ancestrais ou "parentais" de referência: a dos "ibéricos" (constituída pelos cromossomas Y de 116 bascos, considerados como os mais próximos parentes das populações ibéricas mais antigas); a dos magrebinos (os cromossomas Y de 361 homens do Sara Ocidental, Marrocos, Argélia, Tunísia); e a dos judeus sefarditas (174 homens que se autodesignam como tal, entre os quais 16 de Belmonte e o resto da Bulgária, Grécia, Espanha, Turquia e da ilha de Djerba).
Em cada uma destas populações, existe uma combinação predominante de marcadores binários - isto é, de presenças/ausências ou alterações pontuais no ADN -, o que faz com que seja fácil "diagnosticar" a ascendência de um cromossoma Y escolhido ao acaso. "Há quatro tipos de combinações de marcadores binários do cromossoma Y com valor de diagnóstico", confirma João Lavinha. "O resto é ruído." Desses quatro, três são mesmo característicos de apenas uma das três populações consideradas, pois não existem em nenhuma das duas outras. Têm nomes de código que parecem sopas de letras: a dos "ibéricos" chama-se R1b3, a dos magrebinos E3b2 e a dos judeus J2. São estas combinações de marcadores que serviram de base para a comparação com as populações actuais, permitindo determinar a contribuição de cada um dos três "antepassados" aos descendentes de hoje em dia.
Quem foram os "descendentes" utilizados no estudo? Foram 1140 homens da Península Ibérica e das ilhas Baleares - ou melhor, o seu cromossoma Y. Em Portugal, a amostra consistia em 62 cromossomas Y de homens do "Norte" (definido, para o efeito, como a região a norte do sistema montanhoso Montejunto-Estrela) e 78 de homens do "Sul", explica João Lavinha. "Considerámos que esse sistema montanhoso é uma barreira geográfica que terá feito com que as respectivas populações se cruzassem menos", frisa. O material genético oriundo de Portugal fora recolhido em inícios dos anos 90 e o critério de selecção para o actual estudo foi que os homens tivessem um avô paterno nascido na mesma região que eles (Norte/Sul). "Isso significa que estas linhagens estão no mesmo sítio desde o ano 1900", faz notar João Lavinha.
A última fase consistiu em calcular as contribuições das três populações parentais ao cromossoma Y dos homens actuais. "Essas proporções são uma medida da mestiçagem", diz ainda o geneticista.
Conclusão: em média, os homens ibéricos actuais tem 20 por cento de ascendência judia sefardita e 11 por cento de ascendência magrebina. E para Portugal, em particular, os números são impressionantes. Os cromossomas Y analisados apresentam, em média, 15 por cento de ascendência norte-africana no Sul e 10 por cento no Norte. "É mais do que se esperaria", reflecte João Lavinha. Mas é em relação aos judeus sefarditas que as proporções são "enormes", salienta: em média, 35 por cento dos homens no Sul têm genes sefarditas e, no Norte, 25 por cento. "Os cristãos-novos são uma realidade", reflecte João Lavinha. "Muita gente não fugiu nem foi expulsa; misturou-se. Nós não temos essa noção, mas eles sobreviveram à intolerância religiosa."
2 comentários:
De facto este estudo é o maior embuste até já hoje realizado, anadrem a brincar aos numeros a ver se enganam os leigos na matéria. E digo isto é falso, pois fizeram analises erróneas de sangue judaico e berbere, baseados em haplogrupos que não são necessariamente nem mouros nem judeus. Até os proprios autoures do estudo já o vieram admitir que induziram em erro na intrepretação.
Caro Rui, será que me poderia indicar o artigo ou livro De João Lavinha acerca do estudo desenvolvido nas populações do Sul?Nomeadamente das populações de Alcáçer do Sal.
Sei que há influência dos escravos que se fixaram para trabalhar nos arrozais.
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