segunda-feira, 7 de abril de 2008

Vidas Portuguesas: Almada Negreiros (1893-1970)

via NOVA ÁGUIA de Romana Valente Pinho em 07/04/08

A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
Sombra de mim que recebo a luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei do que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
Passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e não que me persigo.
Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!

Almada Negreiros, A sombra sou eu

Apontamento Biográfico
José Sobral de Almada Negreiros nasceu no dia 7 de Abril de 1893 na ilha de São Tomé e Príncipe. Filho de António Lobo de Almada Negreiros (1868-1939) e de Elvira Freire Sobral (1873-1896), Almada vem ao mundo nesta ilha africana porque o seu pai ali estava em serviço como administrador do Concelho de São Tomé. Vem viver para Portugal, após a morte da sua mãe, em 1896. Ingressa, quatro anos depois, no Colégio dos Jesuítas, em Lisboa. Permanece por lá até o colégio ser extinto (1910) e, nesse mesmo ano, muda-se para Coimbra, estudando no Liceu de Coimbra apenas um ano. Volta à capital logo em seguida e frequenta a Escola Internacional de Lisboa. Trava conhecimento com Fernando Pessoa (1888-1935) pouco tempo depois, aquando da sua primeira exposição na Escola. Ao lado deste e de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), funda a Revista Orpheu.
Em 1915 escreve o famoso Manifesto Anti-Dantas, respondendo a Júlio Dantas (1876-1962) pelas críticas que havia feito ao futurismo e às pessoas que encabeçavam a Revista Orpheu.
Emigra para Paris em 1919, na qual escreve Histoire du Portugal par coeur e, para sobreviver, trabalha numa fábrica, dança num salão e numa boite. Regressa a Lisboa, logo no ano seguinte e trabalha com o António Ferro (1895-1956). Em 1927 emigra para Madrid e escreve El Uno, Tragédia de la Unidad. Quando volta, em 1934, casa com Sarah Afonso (1899-1983). Colabora com o Estado Novo, sobretudo no seu projecto de obras públicas. Pinta os vitrais da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, os painéis das gares marítimas de Alcântara e da Rocha Conde de Óbidos, o Edifício da Águas Livres, as fachadas dos edifícios da Cidade Universitária, entre muitos outros.
José de Almada Negreiros morre no dia 15 de Junho de 1970, em Lisboa, no Hospital de São Luís dos Franceses, no mesmo quarto em que, em 1935, Fernando Pessoa também expirara.

Apontamento Crítico
Escritor, artista plástico, poeta, bailarino, José de Almada Negreiros é, ao lado de Fernando Pessoa e de Mário de Sá-Carneiro, um dos fundadores do movimento do primeiro modernismo português, entre os anos de 1912 e 1917, do qual o futurismo (movimento criado pelo italiano Filippo Marinetti (1876-1944)) é uma das suas maiores expressões. Tal movimento ganha voz sobretudo a partir da edição das revistas Orpheu (1915) e Portugal Futurista (1917) e estende-se por áreas como a literatura, a filosofia, a poesia ou a pintura. A obra de Almada é exemplo em todas estas vertentes, mas a de Pessoa é-o, essencialmente, na poesia e na filosofia e as de Amadeu de Souza-Cardoso (1887-1918) e de Santa-Rita Pintor (1889-1918) são-no na pintura.
Para além da indiscutível relevância que o aspecto conceptual assume na obra de Almada Negreiros, a verdadeira inovação do seu trabalho centraliza-se no aspecto formal, estilístico, ou seja, insere-se, em certa medida, numa meta-filosofia ou numa meta-literatura e meta-poesia. Por esse motivo é que chocou tantos autores que, nessa época, ainda estavam agarrados ao conservadorismo e ao classicismo (cujos valores são os da ordem, os da disciplina e os da universalidade, como promotores do sentido estético e do belo artístico) e provocou um conjunto de críticas que desembocou, por exemplo, na polémica entre Almada e Júlio Dantas. Os objectivos principais deste poeta-pintor eram, então, a ruptura com o passado e com a tradição (apesar de tal conduta não interferir no seu convicto nacionalismo, no fundo, tratava-se de uma cisão de carácter mais formal e estilístico) e a exaltação de um estilo de vida e de arte mais dinâmico e consensual com os tempos modernos.
Embora não tenha a genialidade poética do seu companheiro Fernando Pessoa (que, como sabemos, só tardiamente foi compreendida e apreciada), a poesia modernista de Almada Negreiros apresenta uma série de características que é comum aos autores que enveredaram por essa corrente. Citamos, a título de exemplo, a esperança no futuro, o tema da solidão e do solipsismo, a dialéctica do ser e do não-ser, o dilema entre sonho e realidade, a experiência vária e variada do eu, o apelo do paradoxo, a crise do homem perante a modernidade, o confronto entre mundo interior e mundo exterior, o sensacionismo, etc, ...
No campo da pintura, Almada Negreiros foi um neo-pitagórico. Valorizou o número e a geometria como condições de acesso e ascese ao sagrado, ao enigmático e ao transcendente. De qualquer forma, como qualquer artista, sofreu uma evolução: começou primeiro pelo figurativismo e só depois enveredou por um abstraccionismo geométrico-matemático.
Almada Negreiros insere-se, deste modo, num movimento artístico-literário que veio permitir uma liberdade ou libertação da forma, independentemente do conteúdo tratado, e, ao mesmo tempo, se constituiu como uma nova fase para a cultura, em Portugal. Um outro olhar para o país e para o mundo saiu dos olhos do "menino com olhos de gigante".

Bibliografia Indicativa:
Ensaio
Manifesto Anti-Dantas e Por Extenso (1915)
Ultimatum às Gerações Futuristas Portuguesas do Século XX (1917)
A Questão dos Painéis (1926)
Romance
A Engomadeira (1915)
K4, O Quadrado Azul (1917)
Nome de Guerra (1938)
Poesia
A Cena do Ódio (1915)
Histoire du Portugal par Coeur (1919)
A Invenção do Dia Claro (prosa poética, 1921)

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