sexta-feira, 25 de abril de 2008

TIAGO REBELO

via Da Literatura de Eduardo Pitta em 25/04/08

Hoje no Público:


Num ensaio hoje famoso, Reflexões sobre o exílio (1984), Edward W. Said sublinha que a moderna cultura ocidental é, «em larga medida, obra de exilados, emigrantes, refugiados». Ou seja, aquilo que George Steiner define como literatura "extraterritorial". Vem isto a propósito do novo romance de Tiago Rebelo (n. 1964), O Último Ano em Luanda, obra que descreve com minúcia as circunstâncias que levaram ao êxodo dos brancos radicados em Angola. Mais de trinta anos passados sobre a ponte aérea que despejou em Portugal dezenas de milhares de retornados, a censura ideológica, entretanto esquecida, foi substituída por reserva hermenêutica.

Contando a história dos vencidos, um lado que a literatura preza pouco, livros como o de Tiago Rebelo tendem a interferir com a "verdade" da História, sobretudo quando, como sucede neste caso, o eu da realidade se confunde com o eu da narração.

Tendo como móbil o desmoronar da sociedade colonial angolana, no curto período que foi do 25 de Abril de 1974 até à independência do país, a 11 de Novembro de 1975, o seu maior óbice reside nesse afunilamento. Afinal de contas, um casal que, por impulso, troca Lisboa por Luanda, onde ao fim de cinco anos a descolonização os surpreende, não constitui o paradigma das famílias que a história classificou como de "retornados". Dito de outra forma, O Último Ano em Luanda não faz a história das famílias fundadoras, nem o das gerações nascidas e radicadas no território, nem sequer a dos colonos pobres fixados nas fazendas do interior a partir dos anos 1950.

Tudo começa em 1969, na Lisboa que tinha o seu epicentro nos cafés da Avenida de Roma: memórias de Easy Rider (o filme que mitificou Dennis Hopper), motos em conformidade, blusões de cabedal e pastilhas de LSD. Regina é uma rapariga da classe média, filha de um juiz sisudo e conservador. Nuno é um traficante à escala das Avenidas Novas. Os dois são muito novos. Vão para Luanda como podiam ter ido para Katmandu. E em Luanda engrossam a comunidade boémia que dividia os dias entre o Clube Naval e as boîtes da moda «onde eram tratados com a deferência reservada às caras conhecidas». Uma rotina que o 25 de Abril interrompe bruscamente. No momento em que a revolução eclode, são pais de uma criança à beira de completar cinco anos. Entretanto, Nuno, o fura-vidas, fornece armas à UNITA como podia fazê-lo a qualquer outro movimento. A UNITA paga em diamantes, seja a UNITA. Um dia é preso por uma patrulha do MPLA. Em consequência, Regina foge com o filho para Lisboa, mas regressa mais tarde, decidida a «virar Luanda de pernas para o ar até descobrir onde está o Nuno»...

A cor local, os tipos humanos, o fratricídio dos três movimentos angolanos, o comportamento dos militares portugueses afectos à "libertação", os ardis ideológicos, os esquemas de sobrevivência, a debandada em massa dos portugueses, tudo aspectos cuja verossimilhança está garantida. A título de exemplo, o motim de 9 de Julho de 1975, conhecido por Batalha de Luanda, é descrito sem concessão ao melodrama: «Os combates ultrapassaram a fronteira dos subúrbios e chegaram a algumas das avenidas mais populosas da cidade de asfalto. [...] Na população branca dissolveu-se de vez a ilusão de que seria possível ter um lugar no futuro de Angola.» Os diálogos são plausíveis, e o uso de calão adequado. Do ponto de vista dos factos, a obra parece isenta de erros. O autor socorreu-se de bibliografia atinente aos acontecimentos (creditando-a em apêndice), expediente que o ajudou a situar o desenrolar da intriga.

O livro de um jornalista? Admitamos que sim, reconhecendo que foi passado a limpo. Sendo certo que O Último Ano em Luanda está longe de ser obra inatacável, também é verdade que Tiago Rebelo demonstra, neste seu mais recente romance (o nono, se não erro), um saber fazer acima da média de outros autores da sua geração.


A queda de Luanda, in Ípsilon, 25-4-2008. Três estrelas e meia.

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