sábado, 19 de janeiro de 2008

LAWRENCE WRIGHT


LAWRENCE WRIGHT
via Da Literatura by Eduardo Pitta on 1/18/08

Hoje no Público:


Quando Lawrence Wright (n. 1947) deu à estampa A Torre do Desassossego, ao cabo de cinco anos de investigação dentro e fora dos Estados Unidos, o que incluiu uma prolongada estadia na Arábia Saudita, entrevistas a cerca de quinhentas pessoas, todas identificadas em apêndice, bem como consulta de arquivos públicos e privados, não podia adivinhar que o seu trabalho, resultado do escrutínio de centenas de fontes, seria unanimemente reconhecido como explicação do 11 de Setembro. Oito prémios, entre eles o Pulitzer 2007, fixaram essa certeza. Autor de um romance e de seis obras de não-ficção, guionista, colunista da revista New Yorker, membro do Conselho de Relações Exteriores dos Estados Unidos, fellow da escola de direito da Universidade de Nova Iorque, e antigo professor de inglês na Universidade Americana do Cairo, Lawrence Wright não é um autor muito conhecido entre nós, continuando por traduzir Remembering Satan (1994), a sua obra mais controversa.

A Torre do Desassossego não é mais um livro sobre o 11 de Setembro. Pode-se dizer que é o livro do 11 de Setembro. Aquele que explica como tudo começou, com a fatwa de Bin Laden em Agosto de 1996: «Aterrorizar-vos, enquanto andais armados na nossa terra, é uma obrigação legítima e moral.» Nesse tempo, o dissidente saudita era apenas um nome, não obstante os 35 volumes que compunham o seu cadastro, elaborado pela CIA e depositado no Posto Alec, algures na Virgínia. Em síntese, reportava a um «multimilionário messiânico oriundo de uma família influente com ligações de intimidade com os governantes da Arábia Saudita». Daniel Coleman, agente do FBI destacado para Tysons Corner, que seguia os seus passos desde 1993, leu a fatwa de 96 à luz de um «estatuto de conspiração» do tempo da guerra civil americana, sem se preocupar com o abuso hermenêutico que configuraria a sua aplicação «a um foragido de origem saudita encerrado numa caverna em Tora Bora». Tendo-a lido assim, não mais parou. Acompanhado de advogados do Ministério Público, deslocou-se a uma base militar na Alemanha, onde interrogou Jamal al-Fadl, secretário de Bin Laden em Cartum, naquele momento sob custódia americana. Duas semanas de interrogatórios deram a conhecer o essencial da estratégia da Al-Qaeda, nomes e organogramas, campos de treino e células adormecidas, o interesse da organização «na aquisição de armas nucleares e químicas», a autoria do atentado de 1992 no Iémen, o episódio dos helicópteros na Somália e outro tipo de informação. Mas, quando Coleman voltou aos Estados Unidos, ninguém quis saber da ameaça terrorista: «Era demasiado bizarra, demasiado primitiva e exótica.» A prova, duramente conseguida, de que a Al-Qaeda mantinha laços e cumplicidades nos Estados Unidos, foi igualmente desprezada. Passou-se isto em Novembro de 1996.

O que Wright nos conta, em 462 páginas de leitura absorvente, com larga soma de detalhes e contraditório atinente, é a história desse descaso. A sua pesquisa incidiu sobre inúmeras fontes: testemunhos de pessoas envolvidas, imprensa árabe, o departamento americano de defesa, agências de secret intelligence, memorandos oficiais, peças processuais utilizadas em julgamentos no pós-11/9, etc. O teor de certas revelações sobre os serviços secretos egípcios dão a medida do longo braço da Al-Qaeda. Sirva de exemplo o plano para matar al-Zawahiri, o médico que era também o líder religioso da organização de Bin Laden. Para o apanhar, a secreta de Mubarak (o presidente egípcio, alvo de atentados gizados por al-Zawahiri) serviu-se de dois adolescentes de 13 anos: Ahmed, filho de um membro destacado da Al-Jihad, e Mus’ab, filho do tesoureiro da Al-Qaeda no Sudão. Em ocasiões diferentes, os dois rapazes foram drogados e sodomizados, sendo a seguir confrontados com fotografias e vídeos do que lhes acontecera. Obrigados a fotografar documentos dos pais e a colocar microfones nas suas próprias casas, estiveram na origem de dezenas de detenções. Mas al-Zawahiri escapou. Os miúdos foram humilhados publicamente, e fuzilados, com direito a gravação vídeo da execução.

Doravante, nenhum historiador poderá ignorar A Torre do Desassossego, que tem menos a ver com o ataque às torres gémeas do que com o percurso da Al-Qaeda até ao 11 de Setembro. A ênfase na biografia de Bin Laden ilumina parte importante desse percurso. Os atentados suicidas às embaixadas americanas em Nairobi e Dar-es-Salaam, perpetrados com nove minutos de intervalo na manhã de 7 de Agosto de 1998 (data do início do massacre de Mazar-e-Sharif, no Afeganistão) e, a 12 de Outubro de 2000, o ataque contra o USS Cole que estava fundeado em Aden, são três de vários episódios dissecados e contextualizados com impressionante minúcia.

Wright não faz proselitismo de qualquer espécie. É alguém que sistematiza uma invulgar sucessão de factos, documentados com exemplar desenvoltura na sua exactidão mais crua. Não fica pedra sobre pedra na comunidade dos serviços secretos americanos, dando consistência à tese de que a omissão desses serviços contribuiu de forma decisiva para o “sucesso” da Al-Qaeda no 11 de Setembro.

Além de um extenso apêndice de Notas, e de um portfolio fotográfico, o volume inclui um dicionário de personalidades, muito útil para conhecermos a nomenklatura do Médio Oriente, grupos radicais incluídos. Imprescindível.


O descaso do 11 de Setembro, in Ípsilon, 18-1-2008, pp. 34-35. Cinco estrelas.

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