domingo, 8 de fevereiro de 2009

O FUSCA AZUL DO CORONEL MUAMMAR ABU MINYAR AL-QADHAFI

via DIÁRIO DA ÁFRICA de Diário da África em 07/02/09
Sim, o coronel tem estilo.

Pilotava o fusca azul da foto aí de cima pelas ruas de Trípoli antes do golpe de estado que o levou ao poder, em 1969.

Como sei que o fusca azul é dele?

Bom, quem me falou foi um funcionário do Corinthia, hotel com diária de 430 euros em que me hospedei em Trípoli.

O fusca agora mora no museu de Trípoli, na mesma sala em que está exposto o jipe aí abaixo, usado pelo coronel ao entrar nas ruas da capital para assumir o controle do país.

Não tenho mais detalhes nem do jipe nem do fusca porque todas as placas com informações estão escritas em árabe.

O museu inteiro só tem informações em árabe.

E o funcionário do hotel não consegue falar mais de meia dúzia de palavras em inglês.

O museu é interessante. Claro, seria mais se eu soubesse o que representa cada uma das peças em exibição.

Há estátuas romanas (ou seriam gregas???)...

Reprodução de uma típica residência líbia...

E fotos do coronel, como este painel aí embaixo, pendurado na principal parede da antiga cidade de Trípoli, onde funciona o museu.
Ele aparece num campo de flores.

Pergunto ao funcionário do hotel o que está escrito.

FUNCIONÁRIO DO HOTEL – Quer dizer que onde ele está, há prosperidade...

Nada mais foi perguntado, nada mais foi dito.

A aversão ao inglês é total na Líbia. No aeroporto, tudo está escrito em árabe. É possível ver num dos painéis que as palavras em inglês foram raspadas e cobertas com informações em árabe.

Pela localização estratégica, a Líbia quer se tornar um ponto de conexão de vôos entre Europa, Ásia, África e américas. Novos terminais estão em construção (obra tocada pela Odebrecht), mas o governo líbio já informou que toda a sinalização visual continuará em árabe. Não haverá uma só palavra em inglês (não, não há fotos do aeroporto. É proibido e dá uma cana brava).

A parte de Trípoli que conheci nas 48h em que lá estive é bem bonita.

Mas um brasileiro que conheci na viagem conseguiu caminhar por um bairro pobre ao lado do hotel. Disse que nunca viu tanta miséria.

A vista do meu quarto era esta aí abaixo, um complexo empresarial de quatro prédios em formato de garrafa de uísque de cabeça para baixo. Imagem meio surreal num país em que o consumo de bebida alcoólica é proibido. A imagem está embaçada porque o vidro estava sujo.


O que mais chama a atenção nas ruas de Trípoli é a onipresença do coronel.

Nessa semana, na cúpula da União Africana, realizada em Adis Abeba, na Etiópia, o coronel ganhou os holofotes. Disse que, na África, a democracia multipartidária leva ao derramamento de sangue.

Segundo ele, a África é essencialmente tribal, por isso os partidos são necessariamente tribalizados. Para o coronel, o modelo para o continente era o seu próprio país, a Líbia, onde não era permitida a existência de partidos de oposição.

Nas ruas de Trípoli, Qadhafi é o verdadeiro big brother. E me lembra o Cauby Peixoto.

O número 39 aparece em diversos outdoors. É o número de anos que o coronel está no poder.

E o coronel aparece em outras poses no estilo "I am watching you" por toda a cidade.

Vejam...





A chegada a Trípoli também foi curiosa.

Saí de Joanesburgo num vôo das 16h30 rumo a Acra, em Gana.

A conexão para Trípoli duraria duas horas. Quando desembarquei, procurei o guichê de trânsito. Um funcionário ganense apareceu e me livrou de toda a burocracia. Passamos ao largo da imigração, saímos do aeroporto e entramos de novo para chegar ao check-in.

Peguei o novo cartão de embarque e, a reboque do funcionário ganense, driblei mais uma vez a imigração, de forma que não há qualquer registro da minha passagem por Gana.

Antes de me deixar na sala do embarque para Trípoli, o funcionário ganense dá seu golpe fatal.

FUNCIONÁRIO GANENSE: A tip.

EU: Sorry!

FUNCIONÁRIO GANENSE: A tip!

EU: I am sorry! I am in transfer. I have no cash. Thank you.

E fujo dali o mais rápido possível.

O vôo para Trípoli foi tranqüilo. Cheguei no sábado por volta das 6h.

Sou um dos primeiros a descer do avião. Quando chegamos ao grande salão da imigração, os passageiros que saíram antes de mim se posicionam numa fila em frente a um aparelho de raios-x.

Pergunto a um deles se a imigração é ali.

Ele me aponta um dos guichês de imigração. Mostro meu passaporte brasileiro.

Nisso surge um senhor que não fala inglês nem português. Apenas árabe.

SENHOR: Brazil.

EU: Yes. I am from Brazil.

Funcionários da imigração líbia já estão com meu passaporte. Olham a tradução para o árabe, carimbam aqui, carimbam ali.

O senhor continua ali e acabo entendendo que ele presta algum serviço para a embaixada do Brasil. E, pelo que entendi, está ali para me ajudar.

Ele me mostra um crachá da embaixada do Brasil. Funcionário local. Mostra uma folha de papel com o nome de dois brasileiros.

Pergunto se eles também estão no vôo. Ele me dá a entender que não, que haviam chegado no dia anterior.

O fato é que o senhor me ajuda na imigração, com as bagagens e me leva para o hotel. No caminho, diz que trabalha há 35 anos para a embaixada brasileira. Mas não fala português nem inglês. Apenas árabe.

Chego ao hotel quase sete da manhã. Minha reserva, claro, não está feita. Mas há um quarto disponível, o de 430 euros a diária.

Tudo o que quero é dormir. Entro no quarto e consigo dormir umas duas horas.

Desco para o café da manhã. O restaurante está abarrotado de brasileiros. O avião da FAB que os trouxe do Brasil, mais conhecido como Sucatão, deu problema no aeroporto de São Paulo. Teve de voltar ao Rio para os pilotos pegarem outra aeronave. O vôo que deveria ter saído às 7h, só saiu às 12h. A chegada prevista para às 1h40 só aconteceu às 8h.

Fico pensando na gentileza da Embaixada do Brasil em Trípoli. Colocaram um funcionário para me receber no aeroporto, com a orientação de me ajudar no desembaraço na imigração e nas bagagens. E deixam um carro à minha disposição para me levar ao hotel.

Penso um pouco mais. Essa embaixada é muito competente. Como será que descobriram que eu estava chegando naquele vôo? Coisas do Itamaraty.

Quando estou terminando o café, encontro o Paulo Galerani, funcionário do escritório da Embrapa na África, baseado em Acra.

Conheci o Paulo em abril do ano passado, durante cobertura de uma reunião da ONU em Gana. O presidente Lula aproveitou o evento para inaugurar o escritório da Embrapa no país. Paulo me ajudou numa reportagem sobre a transferência de tecnologia agrícola brasileira para Gana.

Fomos a uma fazenda na fronteira de Gana com o Togo, onde um empresário ganense iniciava o cultivo de mandioca, da qual pretendia extrair bebida, medicamentos e cosméticos. Futuramente, vai fabricar etanol.

Na conversa, descubro que estávamos no mesmo vôo de Acra para Trípoli, mas não nos vimos em nenhum momento.

Nem no embarque nem no desembarque. Em vez de ir para o guichê da imigração, ele ficou na fila com os outros passageiros.

Pergunto como ele chegou ao hotel.

PAULO GALERANI: Peguei um táxi.

EU: Que pena. Se a gente tivesse se encontrado, você poderia ter vindo comigo. Não sei como a embaixada descobriu que eu vinha, mas colocou um funcionário e um carro para me trazer até aqui no hotel.

PAULO GALERANI: É mesmo? A embaixada do Brasil em Gana havia mandado uma nota verbal

EU: Hummm....

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