OS JUDEUS E A FAMÍLIA IMPERIAL BRASILEIRA
Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, país hospitaleiro por excelência, processaram-se diversas e rápidas mudanças e uma grande modernização na cultura estabelecida da época.
Desde o início do século XIX, tais mudanças já vinham sendo observadas e viriam a favorecer os imigrantes de diferentes religiões, proibidas ou mal recebidas até então.
Em 1810, foi assinado o Tratado de Aliança e Amizade com o Reino Unido, maior parceiro comercial de Portugal, para favorecer os súditos ingleses que professavam a religião protestante.
No artigo XII do decreto rezava que:
-A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império.
-Os vassalos de sua Majestade Britânica não serão molestados por causa de sua religião.
-Todas as religiões serão permitidas, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo e semelhantes a casas de habitação.
-Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite o Estado, e não ofenda a moral pública.
Se desde 1808, judeus marroquinos, fugindo de humilhações e até de confisco de bens, já haviam começado a se estabelecer na Amazônia, o novo decreto veio incentivar a vinda de mais e mais imigrantes judeus de várias nacionalidades, principalmente ingleses e franceses.
Além de Samuel& Philips, firma inglesa cujos proprietários judeus faziam parte de um grupo de elite, composto por industriais, profissionais liberais e comerciantes, Bernard Wallerstein, o mais famoso deles, fundou na Rua do Ouvidor, uma elegante casa de moda feminina que vendia desde calçados a jóias de grande valor, tornando-se o maior fornecedor da Casa Imperial, por isso mesmo festejado e admirado.
Pouco a pouco os judeus foram ocupando o seu lugar na sociedade, sendo que em 1824 e com a independência do Império do Brasil, e a nova Constituição, que garantia total liberdade religiosa, abriram-se as possibilidades aos imigrantes de se estabelecerem definitivamente na nova pátria.
No segundo Império, D. Pedro de Alcântara Imperador do Brasil, estudioso de línguas e grande admirador da cultura judaica, cultivava várias amizades entre os judeus. Poliglota, além do hebraico (que dizia ser sua língua preferida), falava francês, inglês, italiano, grego, árabe e conhecia o sânscrito e a língua tupi.
Consta que o seu interesse pelo hebraico, veio por acaso, quando encontrou num banco do Jardim do Palácio São Cristóvão, uma gramática hebraica esquecida por um missionário sueco, que sendo convocado ao Palácio, aceitou iniciá-lo na língua. Porém o seu primeiro professor de hebraico foi o judeu sueco Aker Blom, por volta de 1860.
Fazendo progressos extraordinários, costumava dizer que, dedicava-se ao estudo do hebraico para melhor conhecer a história, a literatura judaica e os livros dos Profetas.
Em 15 de novembro de 1873, foi agraciado com o Grande Diploma de Honra por seus trabalhos, por intermédio do Grão- rabino Benjamim Mossé, Oficial da Instituição Pública Francêsa de Avignon, que o considerava um filósofo e um sábio. Mossé e o Barão do Rio Branco, mais tarde, foram autores de uma de suas biografias.
Em 1887, recebeu no Palácio, com uma bela recepção, uma delegação de judeus da Alsácia - Lorena. Na ocasião o Imperador surpreendeu a comitiva, falando-lhes em hebraico clássico, que nem todos conheciam.
Visitou a Palestina, esteve em Jerusalém três vezes, e escrevendo a amigos, assim a descreveu:
- Jerusalém, Jerusalém, pela sua posição elevada, domina quase toda a Terra Santa e produz o efeito mais surpreendente, qualquer que seja o lado pelo qual se lhe aproxima.
Anotando também em seu diário:
-Vou ao Monte das Oliveiras, ver os judeus orando junto à Muralha do Templo.
D. Pedro foi o precursor dos estudos hebraicos no Brasil e mesmo depois de abdicar, continuou suas pesquisas.
Fez versões de Camões para o hebraico e traduziu parte do Velho Testamento para o latim, dentre elas o Cântico dos Cânticos, Isaías, Lamentações e Jó. Em 1891 publicou um livro com versões de poesias judaicas. No Museu Imperial de Petrópolis, existe um excelente acervo de documentos, trabalhos manuscritos com versões do Hebraico para o grego, inglês, português e outras tantas línguas, e registros em seu diário, contando das grandes amizades que cultivava nos meios judaicos.
O Imperador viajava sempre que possível e em todos os lugares por onde passava procurava conhecer e visitar as sinagogas, fazendo anotações e assistindo ao Shabat. Conta-se que, em uma dessas sinagogas, na América do Norte, quando abriram a Torá, ele não só a leu com desenvoltura, como traduziu o texto do livro de Moisés, e com tanto desembaraço que surpreendeu a todos.
A morte de D. Pedro em 5 de dezembro de 1891 provocou um momento de tristeza para muitos judeus de todo o mundo, com os quais se correspondia e tinha como amigos.
Dele falou o rabino Mossé:
- D. Pedro foi uma das mais admiráveis figuras de nossa época moderna... Ele não somente amava nossa língua, mas nos amava, elogiava as virtudes do nosso povo e indignava-se com o anti-semitismo.
E assim, a história de D. Pedro II é mesclada à história dos judeus no Brasil do século XIX, e como muitos deles teve que morrer longe de sua terra natal.
Magal
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