A noite foi longa. O espanto colara-se à cara de Maria Elisa, acentuando a pálida magreza e aquele ritus agressivo e arrogante que passou a manifestar a partir do momento em que percebeu qual seria o desenlace do concurso. A RTP dispusera-se a este pleito e falhara rotundamente. Pensaram, erradamente, que da propaganda, da intoxicação e da lavagem cerebral de décadas sairia, naturalmente, um resultado afeito ao regime, aos seus mitos e heróis. Correu-lhes tudo mal. Um número cada vez mais expressivo de portugueses - que também é amante da liberdade, mas não a quer confiscada e interpretada - libertou-se do medo, votou em protesto e votou imune à torrente de frases-feitas, historietas, semi-mentiras e semi-verdades que ainda rodeiam a figura de Salazar.
Regalei-me de gozo pela histeria da
bruxa comunista, bem como da
langage de bois de meia dúzia de turiferários que levou de trela. O PC não aprendeu nada e não esqueceu nada. É um fóssil digno da maior comiseração, cada vez mais afundado em memórias octogenárias, que já poucos conseguem compreender. As gargalhadas com que foram acolhidas as suas intervenções exprimem o total corte existente entre o PC e os portugueses. Por seu turno, a esquerda burguesa do socialismo de subsidiação, das grandes tenças e das dinastias familiares sentadas à mesa do orçamento, foi confrontada com a irrealidade em que vive num país cada vez mais pobre, mais desesperado e desiludido. Vi no olhar de
João Soares a perplexidade de quem, tendo vivido as últimas décadas emparedado no aquário da opulência oligárquica, não quer ver na votação de Salazar um enorme cartão vermelho a tudo o que ele [Soares] representa para o "povo boçal e inculto".
Gostei, sinceramente, da prestação de
Nogueira Pinto: calmo, sem condescendências artificiais, seguro e senhor numa posição a que muito poucos aspirariam, como ficou provado pelo medo que fez calar
Leonardo Mathias, que ali mesmo resolveu desertar. Gostei, uma vez mais, da enorme coragem de
Dacosta, que fulminou aquela gente ociosa, poseur e arrogante com verdades banidas das pantalhas pela censura informal que vigora nas redacções de jornais e televisões desta apagada e vil liberdade hemiplégica em que vivemos. Ontem, Salazar entrou na história pelo voto do povo. Agora, aquela historiografia à
Rosas, adjectivadora, preconceituosa, intelectualmente desonesta e facciosa deixou de ter cabidela. Salazar descansa. Só ontem, verdadeiramente, por vontade popular, deixou de ser uma alma penada alvo do delírio obsessivo de uma ou duas gerações crispadas pelo ódio, indiferentes à passagem do tempo e agarradas a sinecuras que são escândalo para uma sociedade sem entusiasmo, sem esperança e sem futuro.