54. DENOMINAÇÃO DAS ESCOLASBOSQUÍMANOSFILOSOFIA TRADICIONAL DOS CABINDAS de JOSE MARTINS VAZ - Missionario do Espirito SantoEducação Tradicional em AngolaPercorrer Angola sem preconceitosRepositório de bilhetes postais ilustrados contribui para ultrapassar alguns fantasmas que fizeram estalar mundividências
Na primeira e algo displicente abordagem de
Memórias de Angola, de João Loureiro, notei, surpreendido, que cedo me deixara conduzir sem reticências, com agrado, ao tempo colonial. Não será este, creio, um caso isolado.
De facto, ao converter uma luxuosa, graficamente requintada, edição num repositório notável de simples postais ilustrados, o autor confronta-nos com a densidade desses testemunhos, designadamente nos contextos epocal, social e artístico. Nenhum razoável estudioso da realidade colonial angolana, na sua abrangência, deixará de se envolver numa certa magia a partir de postais como os transpostos de preciosíssimos clichés de Cunha Morais, fotógrafo portuense contemporâneo de Capelo e Ivens, colecção de que destaco "Loanda - Rua Salvador Corrêa", "Benguela - Vista parcial" e "Mossâmedes - Caes e praia", todos de cerca de 1890.
Na mesma angular, cito "Dondo - Rua Capacala" (Osório, Delgado e Bandeira, 1903), uma jóia do património arquitectónico, largamente divulgada, nos jornais e em visitas guiadas, pelo erudito Fernando Batalha; "Fortaleza de S. Miguel [Luanda]" (Osório & Seabra, 1904); "Rua Neves Ferreira - Catumbela" (O. S., 1904); "Caminho de Ferro de Ambaca [mais tarde CF de Malanje] - Canhoca" (Eduardo Osório, 1906); "Missa na Capela do Povo Grande - Cabinda" (J. Martins, 1907).
Selecciono ainda "Igreja de Nossa Senhora da Nazaré" [junto da Avenida Marginal, Luanda] (E. O., 1908), onde, já nos anos 60/70, o padre Joaquim Pinto de Andrade reunia, na missa da tarde de domingo, uma pequena multidão ávida das suas homilias de matriz libertadora, a fazer lembrar o melhor estilo do padre António Vieira, o mesmo acontecendo na missa dominical do fim da manhã, na Igreja de Nossa Senhora dos Remédios (Sé), com o padre (hoje cardeal) Alexandre do Nascimento, um caso marcante de fluência e altitude poética.
Destaco, finalmente, "Primeiro aniversário da República na Câmara do Lubango" (Herculano de Campos, 1911); "Forte de Silva Porto" (editor sem referência, 1912); "Igreja do Carmo" (Carvalho & Freitas, 1922), sobre a qual há importantes textos do arquitecto Fernando Batalha e do historiador Monsenhor Alves da Cunha.
Esta obra, que, na omnipresente fonte iconográfica (desde os últimos anos de Oitocentos até Novembro de 1975), abrange a cidade de Luanda, o litoral de Benguela, os planaltos do Huambo e do Bié, o Sul de Angola, Cabinda e o Congo, o Noroeste e o Leste de Angola, deve ser entendida, segundo João Loureiro, com "uma serena objectividade e um distanciamento já possível, sem preconceitos, complexos ou ressentimentos de parte a parte".
Uma obra, enfim, que vai porventura além das intenções do autor, se repararmos na "Perspectiva histórica", texto cuidado, inteligente, mas com acento tónico no modo como os bilhetes postais "testemunham a evolução das cidades e vilas" e num "enorme respeito pelos sacrifícios e trabalhos" de quantos fizerem "progredir e prosperar" a "portentosa Angola", sem ficarem de fora os "mais jovens e generosos", exortados a "comparticipar activamente na premente restauração da esperança".
Um trabalho que passa naturalmente ao largo do cerne das preocupações de antropólogos como o padre Carlos Estermann (um dos cientistas mais prestigiados de toda a África), José Redinha, Óscar Ribas, Mesquitela Lima e Mário Milheiros, a par de escritores como o romancista Castro Soromenho.
A verdade é esta: o repositório que João Loureiro trouxe até nós insere-se, além do mais, na linha dos que se recusam a rasurar a história. Pode custar muito, mas assumir todo o nosso passado é uma questão de honra.(16.01.01/Fonte : Diário de notícias)