MINHA TERRA MINHA GENTE -II-VILA ARRIAGA
via Querer e não poder by carlosacebolo on 4/2/10
A minha família praticamente sempre viveu em Vila Arriaga, Angola, uma vila simpática situada no sopé da serra da Chela e, embora pertencesse ao Distrito de Moçãmedes, hoje Namibe, fazia fronteira com o distrito da Huíla, hoje Lubango, de cuja cidade (Sá da Bandeira), ficava apenas a cinquenta quilómetros de distância. Meus avós maternos eram colonos e agricultores e fixaram residência em Vila Arriaga. Meu avô paterno, nascido em Trás-os-Montes, era enfermeiro em Moçâmedes, donde era natural, minha avó paterna. Sou o terceiro filho do casal e embora tenha nascido no Lubango, sempre considerei minha terra a Vila onde vivi com meus pais. Vila Arriaga ou Bibala, como muitos a chamavam por ser o nome dado à região do concelho, era uma vila pequena, com apenas duas ruas e quatro transversais, mas muito interessante e com uma vida própria muito activa. Tinha uma administração por ser sede de concelho, com as respectivas casas do administrador, do secretário e dos demais funcionários. Como era uma zona de muita pecuária, tinha também um posto veterinário com a respectiva residência do médico veterinário. Para servir a população local e do concelho, havia também um hospital com as respectivas casas do Médico e do enfermeiro. No centro da Vila situava-se a escola primária, a estação dos caminhos-de-ferro e várias casas destinadas aos seus funcionários, assim como uma oficina para a reparação das máquinas locomotivas; um Clube recreativo e um parque infantil. A linha do caminho-de-ferro dividia praticamente a Vila em dois lados. De ambos os lados da Vila havia várias casas comerciais, quase todas direccionadas ao comércio com os indígenas, mas havia duas que além deste comércio, também estavam preparadas para o comércio Geral. Destas casas comerciais, a do Cardoso Dias e a do Lauro Gonçalves, talvez a mais importante fosse a casa Lauro Almeida Gonçalves, onde se podia encontrar um pouco de tudo. Tinha o sector agrícola, o sector de mercearia, a parte de roupas e tecidos, retrosaria, relojoaria e ourivesaria, papelaria, sapataria, louças, brinquedos e farmácia. Era na realidade um comércio multifacetado e único na região. Para além deste comércio, a Vila tinha ainda duas pensões e nos últimos tempos talho e peixaria. Todos os habitantes da Vila se conheciam e para além da amizade própria dos europeus e seus descendentes em África, havia também uma sã convivência com os naturais da terra, que fazia desta Vila uma comunidade familiar. O meu tempo de criança, de adolescente e de jovem adulto, foi passado nesse Vila, com excepção do tempo reservado aos estudos que foram passados ou em Moçâmedes (Preparatório) ou no Lubango (Secundário). Logo se vê que esta Vila marcou o meu tempo de juventude. Aos fins-de-semana havia baile no clube. As raparigas iam acompanhadas pelas mães ou a cargo de uma senhora casada que se responsabilizava por elas, era assim naquele tempo. Muito respeito, mas também muito divertimento. Não havia drogas, o álcool era controlado e não passava de umas cervejas; apenas e só o baile com música tocada a gira discos, animava as tardes e as noites. Eram tempos maravilhosos e os namoricos também existiam, mas tudo dentro do respeito da época. Durante as férias grandes, eram assim chamadas as férias de final de ano lectivo, os rapazes da Vila juntavam-se à noite para cumprir com um costume antigo, costume que já vinha dos nossos pais. Íamos ás capoeiras dos nossos próprios pais e "roubávamos" uma galinha para a patuscada nocturna. Juntávamo-nos todos no largo da pecuária e aí fazíamos a fogueira para assar os francos. Os pais no dia seguinte davam por falta das galinhas, mas ninguém levava a mal, pois era um costume antigo. Vila Arriaga era uma Vila pequena mas tão familiar que ainda hoje, passados trinta e poucos anos, posso mencionar os nomes das famílias mais antigas e que deram relevo à Vila. – A Família Adolfo de Oliveira; família António Duarte, família Rocha Pinto; família Cardoso Dias; família Madeiros; Família Simões(Canime); família Bastos; família Lauro Gonçalves; família Guardado; família Basílio; família Zé da Glória, família Alves Primo; família Raimundo; família Morais, família Baptista; família Filipe Cebolo; família Freitas, família Robalo; a famosa Viúva Alice, famosa por ser avançada de mais para a época, sempre com o espírito jovem, apesar da sua já avançada idade, não faltando a um baile junto da juventude. Para além desta gente, havia outras que embora não fossem residentes permanentes na Vila, por lá passaram e deixaram a sua influência, como a família Amadeu Gonçalves, os Administrativos Sousa Álvaro (Administrador); Fausto Ramos (secretário) Pimentel Teixeira (secretário) Nazaré Gomes (médico) João Simões (funcionário veterinário) Jorge Alves (Chefe de Estação C.F.); Sousa (Chefe de Estação dos C.F.); Sebastião (enfermeiro); Rodrigues (enfermeiro) Os padres Espanhóis (Fidel, Jesus e Zé), e o Santos (capataz Geral dos C.F). Enfim, e muitos outros que vieram depois destes, dos quais destaco a família João Rodrigues que veio da Lola, uma povoação vizinha e pertencente ao mesmo concelho, radicando-se em Vila Arriaga. Grande parte deste pessoal já faleceu, mas ainda hoje, os vivos e os descendentes dos falecidos, quando se encontram é como se encontrassem um familiar, tal era a amizade entre as famílias. No mês de Junho dava-se lugar às célebres festas da Vila, em honra dos Santos populares, Stº. António, S. João e S. Pedro, que para além das várias barracas que se montavam com diversas actividades e do indispensável baile diário, também havia as tradicionais fogueiras em honra dos Santos populares. As festas duravam o mês inteiro e todos os dias haviam movimento próprio das festas que aos fins-de-semana era abrilhantado com um conjunto musical contratado para o efeito e com torneios de tiro ao alvo; tiro aos pombos e tiro aos pratos, além do Basquetebol e do futebol é claro. Em minha terra minha gente, não podia deixar de fazer esta retrospectiva saudosista da minha juventude.
2 comentários:
Vila Arriaga em 1958, anos da eleições em que se candidatou Humberto Delgado, tinha a casa da Administração, estação e penso que 1 ou 2 comerciantes.
Camucuio é que tinha uns tecnicos veterinários e uma estação zoológica. Perto do Camucuio.
E criadores de gado, havia mais a sul 2 ou tres criadores de caraculo
Pelos vistos o deserto transformou-se completamente a partir dessa data.
Vila Arriaga ou Bibala, terra de meu pai, josé Gomes de Freitas, aí nascido em 1927. Meu avô, João Gomes de Freitas, foi aí grande proprietário de terras e gado, tendo-se igualmente dedicado à funância (comércio com o interior nativo em seus carros boers). Meu avô fazia parte do grupo de colonos madeirenses que em 1884/85 fundaram a mais tarde cidade de Sá da Bandeira. Teve terras no Lubango, Humpata, Bibala e Moçâmedes, onde faleceu, e onde eu nasci. Conviveu com Artur de Paiva e com os grandes africanistas das campanhas de pacificação do sul de Angola, tendo servido nas forças auxiliares e estado na batalha de Naulila contra os alemães, junto ao sudueste africano. Conheceu pessoalmente o principe real D. Filipe quando este fez a viagem inaugural do caminho de ferro de Moçâmedes e parou na Bibala. Tendo eu nascido em 1962, ainda miudo lembro-me das viagens que fazia de Moçâmedes a Sá da Bandeira a visitar a familia, seja de comboio ou de automóvel, com paragem obrigatória em Vila Arriaga para visitar os meus familiares Freitas Fontoura. Aliás, vejo mencionada a familia Freitas mas não a Fontoura. No Lubango, os Freitas Rangel e os Freitas da Silva, meus primos. De Vila Arriaga guardo uma imagem muito forte da minha infância. O forte aroma a terebentina das grandes mangas de casca verde que ornamentavam as ruas da terra. E quem não conhecia esse icone da terra, a viúva Alice (Miss Vila Arriaga como gostava de se fazer chamar). Lembro-me dela aí mas principalmente de Moçâmedes onde passava o mês de Março (verão) em casa de seus familiares (a familia Honorato) que eram meus vizinhos. Ainda conheci tammbém o primeiro professor primário do meu pai, de seu nome, se não me falha a memória, Adolfo, penso que já nonagenário. E o que dizer da subida de comboio da serra da Chela na época das chuvas. O trem quase que parava e parecia que vinha serra abaixo. De fazer medo a uma criança de tenra idade. Por momentos gostei de recordar estas imagens da minha infância. João Silva e Freitas.
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