Uma vitória em Alcácer Quibir
«Tudo isto é futurologia», previne, de início, Maria Augusta Lima Cruz, autora da biografia de D. Sebastião (1554-1978), que acaba de sair na colecção Reis de Portugal, do Círculo de Leitores. Mas, mais à frente, confessa que não é novidade perguntarem-lhe o que teria acontecido caso D. Sebastião não tivesse morrido na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, e chegasse a Portugal com a gloria eterna que, naquela altura, só se alcançava com uma vitória esmagadora, como a de D. João de Áustria, em Lepanto, contra o Império Otomano. A pergunta é tanto mais pertinente, quanto, segundo a lenda, ainda hoje se espera o regresso de O Desejado, misticismo que desencadeou um certo naufrágio da alma portuguesa. Com estas ressalvas, Lima Cruz salienta, precisamente, que «a campanha no Norte de África tinha como objectivo a afirmação nacional e internacional de D. Sebastião». A escolha de Marrocos não é inocente: filia-se na tradição da Dinastia de Avis, responsável pelas conquistas terrestres de Ceuta, Tanger e Arzila, entre outras zonas costeiras. «Uma vitória resultaria, desde logo, num prestígio internacional de D. Sebastião», afirma a prof.ª da Universidade do Minho. Num contexto de guerras religiosas, o rei português apresentar-se-ia como um defensor da Cristandade, apesar de ter tido ao seu lado, em Alcácer Quibir, cristãos, protestantes e árabes. A frota então organizada era muito diversa, com tropas portuguesas, espanholas, do norte da Europa e do sultão Mulei Mahamet.Em Portugal, igual resultado permitiria, também, o reforço dos poderes do rei, nomeadamente na luta contra «a corrente poderosa» que defendia um alinhamento com Espanha, quer nos projectos de expansão, quer nas questões de geopolítica internacional. «As principais figuras dessa tendência, D. Catarina de Áustria, avó de D. Sebastião, e Pedro de Alcáçovas Carneiro, secretário de Estado afastado durante a regência de D. Henrique mas depois reabilitado pelo próprio rei, desejavam que nos integrássemos numa corrente superior», afirma. D. Sebastião «sempre resistiu a isso» e num sucesso africano encontraria argumentos suficientes para «levar avante a sua posição».Mas, como defende a historiadora, «mesmo com uma vitória, dificilmente haveria condições para impor essa conquista em Marrocos». No rescaldo de uma guerra civil, o sultanato norte africano «cairia, provavelmente, numa sucessão de guerras, que reacenderia os conflitos internos». Outro ponto importante quando se equaciona um desfecho diferente em Alcácer Quibir é, obviamente, o desaparecimento do rei. «Teria morrido muita gente, mas muito menos. Não teria morrido a fina-flor da nobreza e, claro, o próprio D. Sebastião», sugere a investigadora. Com isso, também não haveria argumentos para o Sebastianismo, que, como é óbvio, «refere-se ao nome do monarca». E não é por acaso: «Ainda em vida, a sua figura começou a ganhar um grande carisma, que ele cultivava». Era o sonho imperial de «alçar Portugal às glórias passadas», que se vê no culto dos lugares míticos da nacionalidade ou dos túmulos dos reis portugueses que combateram em África. «Apesar de muito popular, uma vida tão longa não teria dado lugar a um mito semelhante. Só uma morte prematura, com as armas na mão, numa altura em que raramente morriam reis em batalha, fez dele o cavaleiro cristão que um dia há-de voltar para nos salvar», sublinha Lima Cruz. Por último, há o problema da sucessão. «Eventualmente, o casamento com Isabel Clara Eugénia, acordado com D. Filipe II, em Guadalupe, viria a concretizar-se». Contudo, pode supor-se que isso não garantiria uma sucessão. «Talvez devido a uma puberdade atrasada, a filha do monarca espanhol, que se casou com o arquiduque Alberto de Áustria, nunca teve filhos». Além disso, «há várias leituras sobre as apetências sexuais de D. Sebastião, o que poderia também agravar o problema». Mas neste caso, destaca a prof.ª universitária, com a vitória em Alcácer Quibir «podia haver forçar de rei, um pulso forte para designar um sucessor». A esta análise, que já de si é fundamentada em meras hipóteses, tem de se acrescentar o perfil de O Desejado, defende Maria Augusta Lima Cruz. «D. Sebastião é claramente imprevisível. A sua personalidade, como dizia Catarina de Médicis, era bizarra e variável, o que lhe dava comportamentos difíceis de antecipar. É sem dúvida voluntarioso, e durante algum tempo tem uma boa equipa governamental, que introduz importantes reformas políticas e militares, algumas contestadas pela nobreza». Também por isso foi visto como um «salvador».
Fonte - JL -Online nº. 936 de 02Ago06
Fonte - JL -Online nº. 936 de 02Ago06
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