Guiné 63/74 - P3105: Os funerais dos nossos camaradas Pára-quedistas (1): Ar...
via Luís Graça & Camaradas da Guiné by Carlos Vinhal on 8/2/08
1. O nosso camarada Afonso Sousa (ex-Fur Mil Trms CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70), em mensagem do dia 27 de Julho de 2008, enviou-nos um artigo escrito pelo Jornalista Francisco Mangas, publicado no DN do dia 26.Na sua mensagem, o nosso camarada escreveu apenas isto:
Zona da Guiné onde, 4 anos antes, passei meio ano do percurso na guerra. Emociona-me este relato. Uma lágrima não pode ser contida.
Restos mortais dos nossos camaradas Pára-quedistas depositados na Igreja da Força Aérea em Lisboa
Foto: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.
2. Com a devida vénia apesentamos o referido artigo
Os heróis que ficaram para trás !
Trinta e cinco anos depois de terem caído na Guerra Colonial, no Norte da Guiné, os restos mortais de três pára-quedistas são hoje sepultados, em Vila do Conde, Cantanhede e Castro Verde. As famílias encerram, assim, um longo luto. É uma história de silêncio e esquecimento, de três jovens mortos em combate, inumados na mata, porque os corpos entraram em decomposição e não podiam ser retirados para Bissau, de uma tropa especial que tem por princípio não deixar ninguém para trás. A Liga dos Combatentes teme que esteja a abrir uma caixa "que nunca mais conseguimos fechar".
Num azulejo, sobre a porta de entrada, a aparição de Fátima aos pastorinhos. A bicicleta preta, pedaleira remota , encostada à parede, que termina num canteiro de margaridas e sardinheiras ressentidas do calor de Julho. É a casa de Lurdes Jesus Faim e Avelino Lourenço, na aldeia de Fornos, Cantanhede, um casal de velhos tocado por infinda tristeza. Hoje, pela tarde, sepultam o filho, que perderam na Guerra Colonial, e talvez a dor.
Um filho ou um anjo? "Era um anjo, por isso não me pertencia." Fala a mãe, comovida, a rever o jovem fardado, no preto e branco das fotos. José Jesus Lourenço, soldado pára-quedista, foi morto em combate na tarde de 23 de Maio de 1973, numa emboscada na zona de Guidaje, no Norte da Guiné. Tinha 19 anos e um secreta paixão a arder no coração. Dois outros camaradas tombaram no mesmo ataque.
Acossada pelos guerrilheiros do Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo verde (do PAIGC), que também controlavam o espaço aéreo, a Companhia de Caçadores Pára-quedistas 121 - porque "ninguém fica para trás" - rompeu com os seus mortos até ao aquartelamento de Guidaje, flagelado há meses pelo inimigo. A aviação, temendo os mísseis, fica em terra, longe do perigo. Os corpos "começaram a entrar em decomposição, cheiravam mal". Foram inumados na mata, no dia 25 de Maio, junto à cerca de arame farpado. E aí permaneceram, com uma mortalha de silêncio e ervas daninhas, trinta e cinco longos anos.
No lugar de Fornos, quarta-feira passada, a primeira pessoa que encontrámos, um homem de bicicleta, antes de nos indicar a casa dos pais do pára-quedista Lourenço, contou-nos, sem esconder o orgulho, outra coisa: "Fui ao juramento de bandeira dele, a Tancos." É da família? "Não, ele era um rapaz bom." Retoma a viagem, a pedalar lentamente como se desse modo iludisse o sol do meio-dia, canto das cigarras e alguma tristeza.
Na base dos pára-quedistas, em Tancos, soubemos depois, desaguou em festa uma pequena multidão, gente de Fornos e de aldeias vizinhas, a testemunhar o gesto de amor à pátria do jovem José Jesus Lourenço. Foi um autocarro cheio. "Parámos em Fátima, dormimos em Tomar e no dia seguinte, pela manhã, estávamos em Tancos". Ele "era o rapaz mais bonito do lugar", lembra Lurdes Faim, a mãe.
Cedo começa a "ganhar a vida", logo após terminar a instrução primária. "A trabalhar no duro", recorda Avelino Lourenço, o pai. Completa, em breve, 81 anos, mas continua a ir a Cantanhede (a 10 km de Fornos) receber a reforma, na pedaleira preta que vimos encostada à parede, junto das margaridas e sardinheiras. "As minhas pernas são a bicicleta." Avelino foi lavrador, "tinha gado" e assim tocava a vida.
José, o seu segundo filho, " cozia cal, enfornava os fornos". Trabalho duro, não há dúvida, para um adolescente. José apaixonou-se por Maria ("um namorico", diz a mãe), mas no horizonte irrompia a tropa, o trágico ir à guerra que tolheu, atormentou, roubou a alegria aos jovens portugueses nos anos sessenta do século passado. O enfornador de cal alista-se como voluntário nos pára-quedistas: tem pressa de ir para voltar depressa e cumprir a paixão.
No dia da partida rumo à distante Guiné, veio muita gente despedir-se do militar à casa dos pais. "Ele levava a mãe no coração, quando saiu à porta pressenti que era o funeral, estava-me a despedir dele para sempre." Lurdes Faim contém as lágrimas, trinta e cinco anos de luto incompleto dá-lhe essa derradeira força.
Hoje, sábado, 26 de Julho de 2008, os pais, as três irmãs e o irmão, sobrinhos e muitos amigos voltam a encher um autocarro. Vão a Lisboa, e voltam com os restos mortais do José."A vinda dele dá-me paz", confidencia a mãe. "Tenho dito às pessoas: cantem e batam palmas quando o meu filhinho chegar à nossa terra. Por favor, não me abracem, não chorem nem me dêem os sentimentos."
A dor, o choque mais duro, conta Lurdes Faim, 77 anos, sentiu-a faz muito tempo. E, por certo, jamais esquecerá esse "28 de Maio" de 1973: pároco de Fornos a entrar-lhe em casa, também destroçado, com a notícia. Foi um choque para a família e para o povo da terra e aldeia vizinha: morria o destemido herói, tão novo ainda. "Era um anjo, não podia ser meu", insiste a mãe, a sublimar a perda.
"Nunca se viu uma coisa tão triste." Agora é Avelino, que se manteve em comovido silêncio a ouvir a mulher, a "recordar a dor". Maria, a namorada vestiu o luto, e todas as raparigas da aldeia, num sentido gesto solidário, "botaram lenço preto" durante largos dias.
No dia 25 de Junho de 1973, Lurdes e Avelino são informados de que o filho já estava inumado, algures na densa mata guineense, e só passado sete anos "poderiam mandar os restos mortais". Mentiram. Afinal, deixaram para trás ("ninguém fica para trás" é o lema pára-quedistas), em terra estranha, José e os outros dois camaradas da companhia mortos na emboscada de 23 de Maio: Manuel da Silva Peixoto, 22 anos, de Gião, Vila do Conde, e António Neves Vitoriano, 21 anos, natural de Castro Verde.
"Esperámos e desesperámos, a coisa estava de modos a apagar-se", refere Avelino Lourenço. Há dois anos, perdeu a esperança de dar sepultura ao filho, que passou apenas três meses na guerra. José seguia na frente da coluna, atrás de Manuel Peixoto, o primeiro a tombar, atingido por várias balas. Pouco depois de regressar da ex-colónia portuguesa, um camarada veio a Fornos contar à família o que se passou na emboscada, preparada pelas forças de libertação da Guiné. Peixoto resistiu e pediu socorro: "Acode-me, Lourenço!" Este rompeu, porque ninguém pode fica para trás, e é flagelado pelo fogo inimigo. "Morreu para salvar o outro", diz a Lurdes Faim. E lembra as últimas palavras do filho, que o companheiro lhe trouxe, da longínqua mata africana, como se fosse um tesouro: "Ai a minha mãe! Ai a minha namorada!".
A família de Manuel Peixoto, que não resistiu aos ferimentos, também não contava com o regresso das ossadas desta pára-quedista. Gostava de boxe, aprendiz de carpinteiro antes de partir para a Guiné. A mãe não assistirá hoje o funeral, no cemitério de Gião, Vila do Conde, no mesmo dia da romaria da terra, com Marco Paulo como cabeça de cartaz. A mãe de Peixoto morreu em 1996; o pai emigrou para o Brasil, tinha o filho poucos meses, não mais voltou.
Resta um irmão, uma irmã e alguns sobrinhos, que esperam hoje à tarde os restos mortais do militar. "Logicamente, o corpo devia ter vindo logo na hora", refere António Peixoto, que soube da morte do irmão em França, onde está emigrado há quase três décadas. A família não irá a Lisboa para, depois, acompanhar os restos mortais até Vila do Conde.
Maria Alice Carvalho é a guardiã das memórias de Manuel Peixoto, seu cunhado. A memória repartida por dezenas de fotografias . No verso de uma das fotos, que mostra vários companheiros no interior de uma aeronave, o pára-quedista escreveu o seguinte: "Dentro do avião quando íamos para o quartel do exército que está perto da fronteira. Uns riem-se e outros pensam no que podia acontecer perante as operações, mas correu muito bem só tivemos um morto. Pelo contrários, os turras."
A legenda termina assim, sem se saber o número de "turras" mortos nesse combates. A baixa de um militar do lado dos pára-quedistas, segundo soldado Peixoto, nem era assim tão mau. Isto prova o sufoco que as tropas portuguesas sofreram na zona de Guidaje, junto à fronteira do Senegal, nos últimos anos da Guerra Colonial. Peixoto, Lourenço e Vitoriano morrem na operação das forças especiais portuguesas destinada a furar o cerco que os guerrilheiros do PAIGC faziam ao aquartelamento de Guidaje.
Anacleto Costa pertenceu à companhia de Peixoto, não esteve, no entanto, envolvido na missão que vitimou os seus três camaradas. Participou, contudo, noutras situações de conflito ao lado do jovem vilacondense. "Era um homem destemido, uma verdadeira máquina de guerra: eu ouvia um tiro e escondia atrás das árvores, ele não, ele rompia para o inimigo". O irmão confirma, "já aqui era valente, faz parte da família".
Conhecida a notícia da morte, os familiares escreveram algumas cartas ao general António de Spínola - na altura comandante das forças portuguesas na colónia da Guiné -, sem resposta. O silêncio, sempre o silêncio a cobrir os jovens pára-quedistas, sepultados à pressa, num cemitério improvisado.
"Companheiros meus", lembra Anacleto Costa, "queriam ir buscar os seus mortos" a Guidaje. "Os graduados não admitiram, o Spínola também não autorizou." Um anos depois do falecimento, por altura do 25 de Abril, a família recebeu um convite para ir a Lisboa "receber uma medalha de honra" pelos serviços de soldado Peixoto prestados à Pátria.
Saíram bem cedo, regressam de madrugada com as mãos vazias. "Esperámos até à uma da manhã e não recebemos medalha nenhuma. A cerimónia transformou-se num grande comício, viemos embora sem nada", recorda Maria Alice Carvalho.
Os três pára-quedistas da Companhia 121 regressam hoje às suas terras, onde serão sepultados com dignidade, trinta e cinco anos depois de tombarem aos serviço de Portugal. As famílias, que foram ouvidas e autorizaram a exumação e trasladação das ossadas, podem agora, enfim, encerrar o luto. "Agora já posso partir, o regresso do meu filho dá-me serenidade." Diz Avelino Lourenço, a despedir-se de nós à porta da sua casa, na aldeia de Fornos, Cantanhede. Na fachada, o azulejo com a aparição de Fátima; no interior da habitação,vimos mais imagens de Nossa Senhora e os retratos dos filhos, netos e bisnetos.
As cigarras, indiferentes à melancolia do velho, cantam, cantam por dentro da tarde quente.
Num azulejo, sobre a porta de entrada, a aparição de Fátima aos pastorinhos. A bicicleta preta, pedaleira remota , encostada à parede, que termina num canteiro de margaridas e sardinheiras ressentidas do calor de Julho. É a casa de Lurdes Jesus Faim e Avelino Lourenço, na aldeia de Fornos, Cantanhede, um casal de velhos tocado por infinda tristeza. Hoje, pela tarde, sepultam o filho, que perderam na Guerra Colonial, e talvez a dor.
Um filho ou um anjo? "Era um anjo, por isso não me pertencia." Fala a mãe, comovida, a rever o jovem fardado, no preto e branco das fotos. José Jesus Lourenço, soldado pára-quedista, foi morto em combate na tarde de 23 de Maio de 1973, numa emboscada na zona de Guidaje, no Norte da Guiné. Tinha 19 anos e um secreta paixão a arder no coração. Dois outros camaradas tombaram no mesmo ataque.
Acossada pelos guerrilheiros do Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo verde (do PAIGC), que também controlavam o espaço aéreo, a Companhia de Caçadores Pára-quedistas 121 - porque "ninguém fica para trás" - rompeu com os seus mortos até ao aquartelamento de Guidaje, flagelado há meses pelo inimigo. A aviação, temendo os mísseis, fica em terra, longe do perigo. Os corpos "começaram a entrar em decomposição, cheiravam mal". Foram inumados na mata, no dia 25 de Maio, junto à cerca de arame farpado. E aí permaneceram, com uma mortalha de silêncio e ervas daninhas, trinta e cinco longos anos.
No lugar de Fornos, quarta-feira passada, a primeira pessoa que encontrámos, um homem de bicicleta, antes de nos indicar a casa dos pais do pára-quedista Lourenço, contou-nos, sem esconder o orgulho, outra coisa: "Fui ao juramento de bandeira dele, a Tancos." É da família? "Não, ele era um rapaz bom." Retoma a viagem, a pedalar lentamente como se desse modo iludisse o sol do meio-dia, canto das cigarras e alguma tristeza.
Na base dos pára-quedistas, em Tancos, soubemos depois, desaguou em festa uma pequena multidão, gente de Fornos e de aldeias vizinhas, a testemunhar o gesto de amor à pátria do jovem José Jesus Lourenço. Foi um autocarro cheio. "Parámos em Fátima, dormimos em Tomar e no dia seguinte, pela manhã, estávamos em Tancos". Ele "era o rapaz mais bonito do lugar", lembra Lurdes Faim, a mãe.
Cedo começa a "ganhar a vida", logo após terminar a instrução primária. "A trabalhar no duro", recorda Avelino Lourenço, o pai. Completa, em breve, 81 anos, mas continua a ir a Cantanhede (a 10 km de Fornos) receber a reforma, na pedaleira preta que vimos encostada à parede, junto das margaridas e sardinheiras. "As minhas pernas são a bicicleta." Avelino foi lavrador, "tinha gado" e assim tocava a vida.
José, o seu segundo filho, " cozia cal, enfornava os fornos". Trabalho duro, não há dúvida, para um adolescente. José apaixonou-se por Maria ("um namorico", diz a mãe), mas no horizonte irrompia a tropa, o trágico ir à guerra que tolheu, atormentou, roubou a alegria aos jovens portugueses nos anos sessenta do século passado. O enfornador de cal alista-se como voluntário nos pára-quedistas: tem pressa de ir para voltar depressa e cumprir a paixão.
No dia da partida rumo à distante Guiné, veio muita gente despedir-se do militar à casa dos pais. "Ele levava a mãe no coração, quando saiu à porta pressenti que era o funeral, estava-me a despedir dele para sempre." Lurdes Faim contém as lágrimas, trinta e cinco anos de luto incompleto dá-lhe essa derradeira força.
Hoje, sábado, 26 de Julho de 2008, os pais, as três irmãs e o irmão, sobrinhos e muitos amigos voltam a encher um autocarro. Vão a Lisboa, e voltam com os restos mortais do José."A vinda dele dá-me paz", confidencia a mãe. "Tenho dito às pessoas: cantem e batam palmas quando o meu filhinho chegar à nossa terra. Por favor, não me abracem, não chorem nem me dêem os sentimentos."
A dor, o choque mais duro, conta Lurdes Faim, 77 anos, sentiu-a faz muito tempo. E, por certo, jamais esquecerá esse "28 de Maio" de 1973: pároco de Fornos a entrar-lhe em casa, também destroçado, com a notícia. Foi um choque para a família e para o povo da terra e aldeia vizinha: morria o destemido herói, tão novo ainda. "Era um anjo, não podia ser meu", insiste a mãe, a sublimar a perda.
"Nunca se viu uma coisa tão triste." Agora é Avelino, que se manteve em comovido silêncio a ouvir a mulher, a "recordar a dor". Maria, a namorada vestiu o luto, e todas as raparigas da aldeia, num sentido gesto solidário, "botaram lenço preto" durante largos dias.
No dia 25 de Junho de 1973, Lurdes e Avelino são informados de que o filho já estava inumado, algures na densa mata guineense, e só passado sete anos "poderiam mandar os restos mortais". Mentiram. Afinal, deixaram para trás ("ninguém fica para trás" é o lema pára-quedistas), em terra estranha, José e os outros dois camaradas da companhia mortos na emboscada de 23 de Maio: Manuel da Silva Peixoto, 22 anos, de Gião, Vila do Conde, e António Neves Vitoriano, 21 anos, natural de Castro Verde.
"Esperámos e desesperámos, a coisa estava de modos a apagar-se", refere Avelino Lourenço. Há dois anos, perdeu a esperança de dar sepultura ao filho, que passou apenas três meses na guerra. José seguia na frente da coluna, atrás de Manuel Peixoto, o primeiro a tombar, atingido por várias balas. Pouco depois de regressar da ex-colónia portuguesa, um camarada veio a Fornos contar à família o que se passou na emboscada, preparada pelas forças de libertação da Guiné. Peixoto resistiu e pediu socorro: "Acode-me, Lourenço!" Este rompeu, porque ninguém pode fica para trás, e é flagelado pelo fogo inimigo. "Morreu para salvar o outro", diz a Lurdes Faim. E lembra as últimas palavras do filho, que o companheiro lhe trouxe, da longínqua mata africana, como se fosse um tesouro: "Ai a minha mãe! Ai a minha namorada!".
A família de Manuel Peixoto, que não resistiu aos ferimentos, também não contava com o regresso das ossadas desta pára-quedista. Gostava de boxe, aprendiz de carpinteiro antes de partir para a Guiné. A mãe não assistirá hoje o funeral, no cemitério de Gião, Vila do Conde, no mesmo dia da romaria da terra, com Marco Paulo como cabeça de cartaz. A mãe de Peixoto morreu em 1996; o pai emigrou para o Brasil, tinha o filho poucos meses, não mais voltou.
Resta um irmão, uma irmã e alguns sobrinhos, que esperam hoje à tarde os restos mortais do militar. "Logicamente, o corpo devia ter vindo logo na hora", refere António Peixoto, que soube da morte do irmão em França, onde está emigrado há quase três décadas. A família não irá a Lisboa para, depois, acompanhar os restos mortais até Vila do Conde.
Maria Alice Carvalho é a guardiã das memórias de Manuel Peixoto, seu cunhado. A memória repartida por dezenas de fotografias . No verso de uma das fotos, que mostra vários companheiros no interior de uma aeronave, o pára-quedista escreveu o seguinte: "Dentro do avião quando íamos para o quartel do exército que está perto da fronteira. Uns riem-se e outros pensam no que podia acontecer perante as operações, mas correu muito bem só tivemos um morto. Pelo contrários, os turras."
A legenda termina assim, sem se saber o número de "turras" mortos nesse combates. A baixa de um militar do lado dos pára-quedistas, segundo soldado Peixoto, nem era assim tão mau. Isto prova o sufoco que as tropas portuguesas sofreram na zona de Guidaje, junto à fronteira do Senegal, nos últimos anos da Guerra Colonial. Peixoto, Lourenço e Vitoriano morrem na operação das forças especiais portuguesas destinada a furar o cerco que os guerrilheiros do PAIGC faziam ao aquartelamento de Guidaje.
Anacleto Costa pertenceu à companhia de Peixoto, não esteve, no entanto, envolvido na missão que vitimou os seus três camaradas. Participou, contudo, noutras situações de conflito ao lado do jovem vilacondense. "Era um homem destemido, uma verdadeira máquina de guerra: eu ouvia um tiro e escondia atrás das árvores, ele não, ele rompia para o inimigo". O irmão confirma, "já aqui era valente, faz parte da família".
Conhecida a notícia da morte, os familiares escreveram algumas cartas ao general António de Spínola - na altura comandante das forças portuguesas na colónia da Guiné -, sem resposta. O silêncio, sempre o silêncio a cobrir os jovens pára-quedistas, sepultados à pressa, num cemitério improvisado.
"Companheiros meus", lembra Anacleto Costa, "queriam ir buscar os seus mortos" a Guidaje. "Os graduados não admitiram, o Spínola também não autorizou." Um anos depois do falecimento, por altura do 25 de Abril, a família recebeu um convite para ir a Lisboa "receber uma medalha de honra" pelos serviços de soldado Peixoto prestados à Pátria.
Saíram bem cedo, regressam de madrugada com as mãos vazias. "Esperámos até à uma da manhã e não recebemos medalha nenhuma. A cerimónia transformou-se num grande comício, viemos embora sem nada", recorda Maria Alice Carvalho.
Os três pára-quedistas da Companhia 121 regressam hoje às suas terras, onde serão sepultados com dignidade, trinta e cinco anos depois de tombarem aos serviço de Portugal. As famílias, que foram ouvidas e autorizaram a exumação e trasladação das ossadas, podem agora, enfim, encerrar o luto. "Agora já posso partir, o regresso do meu filho dá-me serenidade." Diz Avelino Lourenço, a despedir-se de nós à porta da sua casa, na aldeia de Fornos, Cantanhede. Na fachada, o azulejo com a aparição de Fátima; no interior da habitação,vimos mais imagens de Nossa Senhora e os retratos dos filhos, netos e bisnetos.
As cigarras, indiferentes à melancolia do velho, cantam, cantam por dentro da tarde quente.
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