O segredo - Crónica de Miguel carvalho
A DEVIDA COMÉDIA
Dantes as pessoas procuravam um sentido para a vida na própria vida. Ou nas páginas de um Dostoievski ou de um Sartre. Também socializavam para discutir ideias. Indignavam-se moralmente e, em saudáveis desvarios ideológicos ou emocionais, amavam e odiavam de forma apaixonada. Antes das opiniões, tinham convicções.
Hoje, já nem sequer os decisores, todos eles, se preocupam em discutir ideias ou conceitos de sociedade que, na verdade, não existem.
Não há mercado para tais maçadas, de resto. Nem os orçamentos aguentariam. As ideias são caras e os consumidores não abundam.
O novo capitalismo, ao contrário do velho, já não tem inimigos, tem clientes. Por isso, fornece modas a uma velocidade estonteante e torna-nos hiper-qualquer-coisa a toda a hora e momento. Mais individualistas, frívolos e supérfluos, sempre preocupados com os dias de escape, de festa, promoções, lançamentos e novidades, buscamos a felicidade no culto do corpo, na comida macrobiótica, nos misticismos, nas seitas, nas terapias alternativas, nas frases do dr. House, nos livros de auto-ajuda.
Abandonadas e fracassadas as teorias e práticas mais ou menos históricas e racionais para salvar o mundo, libertamo-nos dos conceitos e da razão para encontrar novas formas de dependência que nos tornam mais vulneráveis... a nós próprios. «Não há libertação sem uma nova forma de dependência», como ensina Lipovetsky.
Que dizer, pois, de uma sociedade que engorda à mesma velocidade que fica escanzelada? Que dizer de uma sociedade que acredita na felicidade ao virar da esquina, sem a trabalhar, sem a amadurecer, e que mergulha na maior frustração e depressão ao primeiro desatino?
Mas até para isso, o novo capitalismo organiza e comercializa planos de fuga. Um deles, chama-se Second Life: a maneira de sermos na Internet o que nunca seremos do lado de fora. Sobretudo, nas partes onde os implantes não podem tudo e o salário é demasiado curto para tanta ambição consumista e hedonista.
Parece que, entretanto, 100 mil portugueses – e alguns milhões pelo mundo fora - descobriram O Segredo. O livro, a julgar pelo que se lê e ouve, tem o segredo – ora nem mais! - da felicidade. A receita é simples, pelos vistos: basta pedir algo que se queira, desejar muito, muito e... voilá!, o desejo cumpre-se.
Simples, não é?
É claro que, se as coisas não correrem bem, a culpa é minha. E sua. Nunca do livro.
A obra apenas explica como se faz e está blindada contra espíritos fracos: há testemunhas e até cientistas que comprovam a eficácia. Por isso, se comigo ou consigo não resulta, é por sermos gente de pouca fé e força de vontade. E o cosmos, as energias e coisas que tais não são para aqui chamados.
Eu, por exemplo, penso todos os dias que o Governo devia governar à esquerda. Acreditem que desejo mesmo! Ardentemente. Até ponho velinhas. Mas até agora... nada. O problema é meu, claro! Quem me manda a mim não saber onde está... o segredo?
Hoje, já nem sequer os decisores, todos eles, se preocupam em discutir ideias ou conceitos de sociedade que, na verdade, não existem.
Não há mercado para tais maçadas, de resto. Nem os orçamentos aguentariam. As ideias são caras e os consumidores não abundam.
O novo capitalismo, ao contrário do velho, já não tem inimigos, tem clientes. Por isso, fornece modas a uma velocidade estonteante e torna-nos hiper-qualquer-coisa a toda a hora e momento. Mais individualistas, frívolos e supérfluos, sempre preocupados com os dias de escape, de festa, promoções, lançamentos e novidades, buscamos a felicidade no culto do corpo, na comida macrobiótica, nos misticismos, nas seitas, nas terapias alternativas, nas frases do dr. House, nos livros de auto-ajuda.
Abandonadas e fracassadas as teorias e práticas mais ou menos históricas e racionais para salvar o mundo, libertamo-nos dos conceitos e da razão para encontrar novas formas de dependência que nos tornam mais vulneráveis... a nós próprios. «Não há libertação sem uma nova forma de dependência», como ensina Lipovetsky.
Que dizer, pois, de uma sociedade que engorda à mesma velocidade que fica escanzelada? Que dizer de uma sociedade que acredita na felicidade ao virar da esquina, sem a trabalhar, sem a amadurecer, e que mergulha na maior frustração e depressão ao primeiro desatino?
Mas até para isso, o novo capitalismo organiza e comercializa planos de fuga. Um deles, chama-se Second Life: a maneira de sermos na Internet o que nunca seremos do lado de fora. Sobretudo, nas partes onde os implantes não podem tudo e o salário é demasiado curto para tanta ambição consumista e hedonista.
Parece que, entretanto, 100 mil portugueses – e alguns milhões pelo mundo fora - descobriram O Segredo. O livro, a julgar pelo que se lê e ouve, tem o segredo – ora nem mais! - da felicidade. A receita é simples, pelos vistos: basta pedir algo que se queira, desejar muito, muito e... voilá!, o desejo cumpre-se.
Simples, não é?
É claro que, se as coisas não correrem bem, a culpa é minha. E sua. Nunca do livro.
A obra apenas explica como se faz e está blindada contra espíritos fracos: há testemunhas e até cientistas que comprovam a eficácia. Por isso, se comigo ou consigo não resulta, é por sermos gente de pouca fé e força de vontade. E o cosmos, as energias e coisas que tais não são para aqui chamados.
Eu, por exemplo, penso todos os dias que o Governo devia governar à esquerda. Acreditem que desejo mesmo! Ardentemente. Até ponho velinhas. Mas até agora... nada. O problema é meu, claro! Quem me manda a mim não saber onde está... o segredo?
Fonte: Visaoonline de 27Jul2007 - Miguel Carvalho Quinta
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